Se estivesse vivo, o ex-ministro e escritor paraibano José Américo de Almeida estaria preocupado com os rumos (ou a falta de rumos) do governo de Jair Bolsonaro e, sobretudo, com a exclusão do Nordeste na ocupação de ministérios importantes que investissem no desenvolvimento desta região. Em pleno governo do general João Figueiredo, um ano antes de sua morte, na década de 80, o jornalista Sebastião Nery visitou o ministro na praia de Tambaú, João Pessoa e indagou o que achara do ministério do último presidente do rodízio de militares. José Américo respondeu:
– Conheço poucos deles. São uns rapazes mais jovens, gente nova, alguns ainda principiantes. Esse médico da Bahia, que vai para o Ministério da Saúde, já teve alguma experiência administrativa?
– Não, senhor. É apenas um bom clínico.
– Xii!…
E José Américo balançou a cabeça, meio aflito:
– O Nordeste continua meio de lado, muito esquecido. A Paraíba, por exemplo, está com muitas dificuldades. É muito difícil governar isso aqui porque não há recursos.
– Pois é, ministro, deram ao Nordeste logo o Ministério das Minas e Energia e o Nordeste não tem minas nem energia.
Deu uma risada gostosa:
– É isso mesmo, isso mesmo.
Mas, como notou Nery, o ermitão de Tambaú não estava de todo desesperançado. Lembrando que Figueiredo prometera fazer a democracia, complementou: Se ele cumprir a promessa, ótimo. As coisas vão caminhando devagar. E iremos tendo tempo para recompor a situação econômica e financeira, que não é fácil, com a dívida externa e a balança comercial que temos, as dificuldades da energia e os problemas operários, sociais. Vamos torcer para que ele acerte. Politicamente, está bem intencionado. Veja a agricultura. O homem do interior precisa de crédito, mas, sobretudo, de auxílio, de assistência técnica, máquinas, semente, adubo. Nossa agricultura, principalmente aqui no Nordeste, é muito primária, muito abandonada.
– O senhor acredita na anistia?
– Sim. O pai de Figueiredo foi anistiado. É a conciliação, a paz de que o país precisa para trabalhar.
José Américo, na conversa com Nery, perguntou por São Paulo. Como vai São Paulo? São Paulo é uma esperança e um perigo permanente. É preciso nunca perder de vista São Paulo, saber o que ele está pensando. São Paulo é o mais forte pulsar da Nação. Na ditadura de Vargas, José Américo rompeu os grilhões da censura numa entrevista de grande impacto a Carlos Lacerda. José Américo é a voz de impacto que falta nestes tempos bolsonarianos. Como disse Sebastião Nery, o mestre do romance nordestino, dos discursos secos, despojados, poderosos como o seu sertão, dava lições certeiras sobre os destinos do País. Não foi aleatória a assertiva do ministro de que ver bem não é ver tudo, mas, sim, é ver aquilo que os outros não veem. Ele tinha essa capacidade, típica dos iluminados.
Nonato Guedes