Expoentes do Partido dos Trabalhadores fustigam impiedosamente a reforma previdenciária que o presidente Jair Bolsonaro tenta implantar aos trancos e barrancos, mas quando ascendeu ao poder, a partir de 2003, com Luiz Inácio Lula da Silva, o PT infernizou a vida de um contingente que apenas exigia respeito. No livro Década perdida, Marco Antonio Villa lembra que o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, resolvera fazer o recadastramento dos aposentados e pensionistas com mais de noventa anos. Para tanto, exigia que os beneficiários comparecessem às agências do INSS e chegou a afirmar que bloquearia os pagamentos daqueles que não efetuaram o recadastramento.
Foi um Deus nos acuda. Da noite para a noite, milhares de idosos, maiores de noventa anos, tinham de se deslocar às agências. A repercussão seria péssima e obrigaria o ministro a voltar atrás. Seguindo fielmente a cartilha petista, porém, colocou a culpa não em sua desastrada gestão mas, claro, no governo anterior. Infelizmente essa situação que vivemos, de termos tantos indícios de fraudes, é consequência da omissão administrativa do passado, adiantava, conforme o relato de Villa. Em 10 de dezembro, depois de tramitar por 225 dias, a reforma da Previdência foi finalmente aprovada no Senado. Obteve 51 votos favoráveis e 24 contrários, entre os quais o da senadora Heloísa Helena.
Eram necessários 49 votos para obter o quórum constitucional e o governo contou com preciosas doze adesões da oposição sete do PFL e cinco do PSDB, sem as quais não venceria, pois os partidos da base haviam rachado novamente. Um episódio bizarro marcaria a sessão: o senador Ney Suassuna, do PMDB da Paraíba, mais conhecido pela exibição de extravagantes gravatas do que pela atuação parlamentar,votara contra, segundo ele, por equívoco. Era a favor, mas se atrapalhara no complexo instante de escolher entre as alternativas sim e não. No dia 14, o diretório nacional do PT, com 55 votos a favor e 27 contra, expulsou os três deputados federais que votaram contra a reforma Luciana Genro, Babá e João Fontes, além da senadora Heloísa Helena. Os mais aguerridos defensores da expulsão foram Aloísio Mercadante, Ideli Salvatti e Cristovam Buarque.
No início de agosto, a reforma da Previdência seria aprovada pelo plenário da Câmara Federal. A base governista, no entanto, rachara: foram 296 votos a favor e 56 contra número ainda muito distante do quórum constitucional. O governo teve de contar, portanto, com a oposição e seus 62 votos salvadores. Alguns votos contrários à reforma apenas três foram oriundos da bancada petista. Houve também uma ausência e oito abstenções. Os oitenta parlamentares petistas restantes seguiram a orientação do partido. A oposição também se dividira. O PSDB teve 29 deputados a favor e trinta contra. O PFL alcançaria proporção semelhante: 36 favoráveis e 38 contrários. O quebra-quebra no Congresso era inevitável. Seguranças e manifestantes travaram verdadeira batalha campal. O prédio da Câmara acabaria depredado. Enquanto isso, a vida seguia bela no Palácio da Alvorada e na Granja do Torto. Era ameno e tranquilo o cotidiano de Lula à sombra do poder, tanto que havia sido iniciada a construção de um aviário para emas e patos e não faltaram recursos para um ginásio de esportes com sala de fisioterapia. A Granja do Torto receberia também iluminação e novas churrasqueiras. Lula estava deslumbrado com o poder.
Os principais pontos da reforma da Previdência no governo de Lula consistiam na taxação dos servidores inativos da União e dos Estados, no aumento da idade mínima para aposentadoria (homens, sessenta anos; mulheres, 55), na exigência de no mínimo vinte anos de serviço público para que o funcionário pudesse aposentar-se na limitação da aposentadoria do serviço público ao teto do INSS e num valor máximo de proventos, tanto para os ativos como para os inativos. Era mais radical que a proposta que Fernando Henrique Cardoso conseguira aprovar em 1998, através da emenda constitucional número 20.
Nonato Guedes