Numa das polêmicas que enfrentou pela imprensa paraibana, quando esteve arcebispo metropolitano da Paraíba por um vasto período, dom José Maria Pires pregou abertamente a necessidade de o clero ser subversivo, principalmente na região Nordeste, para tentar modificar, por meio das denúncias, uma situação de adversidade e penúria, decorrente não apenas de fenômenos naturais como a seca, mas, sobretudo, de políticas públicas que sempre discriminavam esta parte do Brasil. Dom José exprimia essas posições em plena vigência do regime militar autoritário, que se investiu do poder em 1964 a pretexto de manter a ordem e restaurar a democracia e acabou instituindo uma ditadura, tendo como subproduto a longa noite das trevas, pontuada por censura, por torturas, por prisões ilegais, suspensão do habeas-corpus, dissolução do Congresso Nacional, cassações de políticos e expoentes da intelligentsia nacional.
Dom José, recém-vindo de Minas Gerais, diga-se de passagem, apoiou num primeiro momento o que foi denominado de revolução, até constatar que estávamos mesmo diante de uma quartelada, típica de ditadores de opereta da América do Sul. Em vez da democracia prometida, tivemos o rodízio de generais no poder e um sem número de éditos destinados a restringir liberdades públicas. Chocou dom José, também, como ele revelou em entrevistas e até em publicações, a realidade cruel do Nordeste brasileiro, com as populações submetidas a índices calamitosos de desnutrição, sem falar na falta de oportunidades de emprego e renda para milhares de famílias necessitadas.
Quando cogitei escrever um livro sobre dom José, estava em vigor no país uma esdrúxula lei que exigia autorização dos personagens para lançamento de biografias suas. Tal dispositivo tinha o apoio de um grupo de intelectuais e artistas que prezo e admiro demais, como Caetano Veloso e Chico Buarque de Holanda, expoentes do Procure Saber. Tinham, esses artistas e intelectuais, razões sobejas para defender a exigência de autorização para a formulação de biografias mas, no geral, estavam equivocados e, contraditoriamente, agindo como censores da liberdade de expressão, logo eles que tão perseguidos foram, tendo que se exilar ou, então, enfrentar aqui dentro a mordaça do AI-5 que podava tudo e não liberava nada. Pois bem! Cioso de responsabilidades legais, telefonei a dom José pedindo-lhe autorização, por escrito, para que eu pudesse prosseguir na elaboração da sua biografia.Você acha mesmo necessário? Você tem liberdade de dizer o que quiser a meu respeito, respondeu-me, por telefone. Em todo caso, inteirado dos óbices que me preocupavam, assentiu em dar a tal autorização, que não chegou a tempo, infelizmente.
Mas o que eu desejava falar mesmo era sobre uma parte do diálogo que mantivemos dom José e eu ao telefone. Ele indagou-me qual o título do livro. O bispo subversivo, respondi, de bate-pronto. Notei que ele tomara um susto. Lembrei-lhe, então, das suas declarações de que em situações de injustiça o clero tem todo o direito de subverter a ordem injusta que está em vigor. E falei-lhe de outras prédicas suas, sempre no caminho da denúncia. Para mim, dom José, está claro que o senhor é subversivo sem pregar a luta armada, resumi. É isso mesmo, é isso mesmo, ressaltou. Relembrando esses fatos, ocorre-me a ideia de que na atual conjuntura que o Brasil vive, mesmo com a democracia institucionalizada, o clero precisa voltar a ser subversivo. Para defender os oprimidos e denunciar as injustiças sociais. Mãos à obra, então!
Nonato Guedes