Não obstante tenha lançado Dilma Rousseff, informalmente, à sua sucessão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca deixou de namorar a ideia de um terceiro mandato consecutivo. Ele manejou os cordéis utilizando parlamentares da base de sustentação do governo para tentar viabilizar uma proposta de emenda constitucional favorecendo o terceiro mandato. Um desses parlamentares foi o deputado Jackson Barreto, do PMDB de Sergipe e, em princípio, a base oficial manifestara certo entusiasmo a respeito.
No livro Década Perdida Dez anos de PT no poder, o historiador Marco Antonio Villa lembra que a saúde de Dilma, em tratamento contra um câncer no sistema linfático, era apontada como mais um elemento na estratégia lulista. Pesquisas de opinião chegaram a ser feitas e indicavam que metade do eleitorado era favorável à proposta de consulta popular sobre o terceiro mandato para Lula. O então presidente, porém, sentiu no ar que a questão poderia dividir o Congresso e, mais importante, o país. Resolveu, assim, voltar atrás. Mas lamentou o tratamento que a mídia dera ao tema. Na opinião de Lula, se a consulta fosse realizada democraticamente, a reeleição seria assimilável.
Legislando em causa própria e confundindo presidencialismo com parlamentarismo, Lula citava que, na Europa, havia casos de premiês que ficaram mais de quinze anos no poder. Na verdade, ele estava deslumbrado com o poder era paparicado pelos mais pobres e pelos mais ricos, dispunha de grande prestígio internacional, a ponto de ser tratado como o cara por Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, numa reunião do G-20, e conseguira a proeza de manter-se blindado em meio ao escândalo do mensalão. A oposição, principalmente o PSDB, apelou para a estratégia de deixar Lula sangrar, mas quebrou a cara, já que o presidente manipulou as denúncias para figurar no papel de vítima de uma conspiração. Isto lhe deu sobrevida, inequivocamente, e fez o ego de Lula ir para as alturas.
Ao lançar Dilma, que era ministra da Casa Civil, investida no vácuo da desgraça de José Dirceu, Lula carimbou-a como a Mãe do PAC, trabalhando o imaginário popular com pitadas de caudilhismo e messianismo. A construção da candidatura resultou, até, numa operação plástica, caso único na história do Brasil, como nota Villa. A intervenção transformou radicalmente o rosto de Dilma. Ser-lhe-iam retirados também os óculos, substituídos por lentes de contato. A candidata teria, também, o corte de cabelo alterado e emagreceria dez quilos, tudo recebido como absolutamente natural. Sem nenhum escrúpulo, o ex-presidente aproveitou para tirar alguma vantagem política da doença da candidata. Se você não rezava toda noite, agora trate de começar a rezar, porque este povo vai precisar muito de você daqui para a frente. E você vai ter de fazer muita coisa por esse povo, citava Lula, no melhor estilo demagógico.
Fernando Haddad, que era ministro da Educação, chegou a dizer que o câncer teria um bom efeito político. Pode fortalecer a identidade da ministra no projeto que se confunde com as superações das dificuldades do próprio país, assinalou o professor Haddad. Dilma, a palanqueira, como Lula a denominou em certa ocasião, tomou gosto pela candidatura, cumpriu à risca o figurino e foi eleita duas vezes. Lula, que hoje é presidiário na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, posteriormente passou recibo de arrependimento por ter lançado Dilma, afirmando, até publicamente, que ela cometera bobagens no governo. Abstraindo isso, o fato é que Lula gostaria de ter se perpetuado no poder. Já estava contaminado pela mosca azul há bastante tempo.
Nonato Guedes