Regina Duarte largou na frente com o bordão Renan, NÃO!. É um protesto justo contra a perspectiva do senador Renan Calheiros, de Alagoas, voltar a presidir o Senado por decisão de seus pares. A atriz costuma tomar posições políticas polêmicas de difícil concordância, mas nesse caso do Renan tem compartilhamentos favoráveis. Por uma razão muito simples: Renan é uma excrescência do cenário político brasileiro há muito tempo, símbolo de oligarquias políticas decaídas e, portanto, um oportunista perigoso no comando de uma instituição que está na hierarquia do poder no país. Uma eventual vitória sua seria a comprovação de que tudo está mesmo perdido no horizonte político nacional nesta Era Bolsonariana com pinceladas de retrocesso e ingerência do Estado naquilo que não lhe cabe.
Mais do que um currículo, Renan Calheiros é detentor de um prontuário, mencionado que tem sido em episódios constantes de irregularidades e ilegalidades. O que causa espécie é o fôlego do político alagoano para sobreviver quando tantos foram expurgados da política, a bem da moral e dos bons costumes, e outros tantos saltaram a fronteira entre a política e a polícia, que se tornou tênue neste país, estando, hoje, recolhidos a celas ao invés de pontificar em casas legislativas. Suspeito que Calheiros já esteja a merecer um tratado sociológico mais profundo, em função das peculiaridades que regem a sua trânsfuga personalidade.
Os movimentos ciclotímicos que o parlamentar tem prodigalizado na cena brasileira são de fazer inveja a qualquer político amador. Ele foi da turma da República de Alagoas que comeu pato laqueado num restaurante de Pequim, na China, no final dos anos 80, de cuja mesa exalou um brinde à vitória de Fernando Collor de Melo como presidente da República e à perspectiva de 20 anos de poder no Brasil. Esta última parte não foi concretizada, para frustração de Renan et caterva, diante do impeachment do ex-caçador de marajás, associado a um esquema de assalto aos cofres públicos diligentemente montado pelo seu ex-tesoureiro de campanha Paulo César Cavalcante de Farias, o PC Farias que rendeu tantas manchetes e caçadas policiais rocambolescas pelo exterior.
Calheiros passou incólume pelo golpe militar de 64, pela Nova República simbolizada por Tancredo Neves, ou, se preferirem, por José Sarney, em 1985, e deu o pulo do gato tornando-se confiável ao mais xiita de todos os partidos que já brotaram neste solo o Partido dos Trabalhadores. No impeachment de Dilma Rousseff em 2016, Renan propôs uma aberração jurídica que paralisou o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal: a inclusão de uma emenda para resguardar os direitos políticos da primeira mulher que ascendeu ao Palácio do Planalto. Tratava-se de um privilégio escudado numa fórmula jurídica de feitio contestável a tal emenda. Esse privilégio fora negado ao primeiro presidente alvo de impeachment, coincidentemente o Sr. Fernando Collor de Mello. Renan, como dá para notar, está presente em tudo, principalmente nos subterrâneos do poder aquela parte podre da política que é aceita a pretexto de não perder os anéis ou os dedos das mãos. No próprio Senado, Calheiros já se viu na contingência de renunciar à presidência para não ficar inabilitado politicamente. Transita com uma desenvoltura inexplicável (ou será explicável?) pelos meandros do poder, em suas diferentes esferas. Se lograr voltar a ocupar a presidência do Senado, deveria receber, também, as chaves do Planalto, porque estará demonstrando que ELE é que encarna, de verdade, o Poder que tanto se disputa.
Nonato Guedes