Na batalha que deflagrou para aprovar a reforma da Previdência no Congresso, o que se deu às custas de defecções no PT e expulsão de parlamentares filiados à legenda chamados de trânsfugas ou infiéis por confrontarem o Palácio do Planalto nessa matéria, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem ao seu estilo, recorreu a um gracejo para tentar angariar simpatia dos que seriam beneficiados. O ex-mandatário, que atualmente cumpre pena na Polícia Federal em Curitiba, aconselhou aos aposentados que não ficassem em casa atrapalhando a família. Têm que procurar alguma coisa para fazer, prosseguiu, sugerindo que os aposentados procurassem um clube ou fizessem alguma coisa que tornasse os seus dias mais prazerosos. A reforma do sistema previdenciário continua sendo um bicho de sete cabeças para governos, e ainda ontem, no exterior, o presidente Jair Bolsonaro manifestou a certeza de que conseguirá pô-la em prática.
-Houve um tempo frisou Lula em que os aposentados eram chamados de velhos. Eu acho que a palavra velho deveria ser abolida ou trocada por experiente e que as pessoas devem ser tratadas com um pouco mais de respeito. Lula dizia que sua sogra, que morava com ele e com dona Marisa Letícia, já falecida, tinha 75 anos e uma disposição que a fazia topar um passeio a pé para a China. A minha sogra não é mãe da Marisa, mas é minha sogra, emendou. Na concepção de Lula, a aposentadoria de trabalhadores por tempo de serviço era importante para melhorar a qualidade de vida deles e uma desvantagem para a Previdência, que teria que pagar muito mais. O que um aposentado precisa, além de sobreviver dignamente? Ele precisa de coisas para fazer porque o tédio pode matar as pessoas como qualquer doença mata, prosseguiu.
Lula estimava um rombo na Previdência da ordem de 40 bilhões de reais. O que o Tesouro tem que colocar foge daquilo que o contribuinte pagou, ou seja, dá para perceber que estamos fazendo um esforço enorme para fazer com que os aposentados recebam aquilo a que têm direito, acentuou, concluindo: Se a gente não tivesse pagando o que estamos pagando hoje para milhares de aposentados que recebem o salário mínimo, certamente estaríamos precisando construir mais cadeias, quem sabe contratando mais policiais porque esse é o resultado de um povo que não tem esperança, que não tem perspectiva. O então presidente criticou, também, a burocracia predominante, segundo ele, em outros governos, para que o benefício da aposentadoria fosse concretizado. No seu ponto de vista, tudo poderia ser mais simples se fossem levadas em conta as marcas nas mãos calejadas de trabalhadores e trabalhadoras que lutavam para sobreviver. No contraponto, Lula lembrava que, enquanto isso, a advogada e ex-procuradora do INSS Jorgina de Freitas Fernandes tentava burlar a Previdência e se aposentar mediante fraude.
Apesar de Lula declarar-se sensibilizado com os aposentados, ministros de sua confiança agiam para infernizar a vida dos trabalhadores, a exemplo de Ricardo Berzoini, que decidiu fazer um recadastramento de aposentados e pensionistas com mais de noventa anos. Foi um verdadeiro Deus nos acuda, com milhares de idosos temerosos de comparecessem às agências da Previdência sob pena de bloqueio do benefício. O ministro, alertado da gravidade da situação, voltou atrás mas pôs a culpa no governo anterior, presidido por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. O texto oriundo do governo Lula e que foi aprovado na Câmara e Senado com votos contrários de alguns petistas, que em consequência foram expulsos da agremiação, não constituiu, propriamente, uma reforma abrangente, tanto que o governo de Michel Temer se esforçou inutilmente para aprovar a reforma, não logrando colocá-la em votação. O pepino sobrou para Jair Bolsonaro, que tem reiterado a prioridade da reforma previdenciária.
Nonato Guedes