Em Conversa com a Memória A história de meio século de jornalismo político, Villas-Bôas Corrêa conta o que viu, o que ouviu e o que viveu ao longo desses anos todos. Das primeiras reportagens no jornal A Notícia até sua coluna semanal no Jornal do Brasil, ele repassa uma preciosa aula de jornalismo. Chama-me a atenção o relato que Villas-Bôas faz sobre o Congresso Nacional: Nunca houve Congresso como o que frequentei, com assiduidade compulsória e no deslumbramento da iniciação profissional, de 1948 até a mudança da capital para o ermo de Brasília, em 21 de abril de 1960. Nem haverá outro igual, enfatiza Villas-Bôas, referindo-se ao Congresso que funcionou no Rio de Janeiro até que a Brasília idealizada por Juscelino Kubitscheck ocupasse os espaços como novidade no cenário.
O que se depreende das impressões de Villas-Bôas, que continuam atuais, é que no Rio havia a pulsão da pressão popular ditando fatos e influenciando decisões, enquanto Brasília passou a ser o refúgio de claques recrutadas nas grandes cidades, viajando em ônibus fretados. A presença espontânea de populares, a participação do que se podia qualificar como opinião pública, não sobreviveu ao trauma da mudança da capital, advertiu Villas-Bôas, jornalista respeitado que em vão tentamos, eu e Severino Ramos, trazer em 1982 a João Pessoa para uma palestra sobre conjuntura política nacional na API. (Ele vinha ao Nordeste, mas só até Natal, Rio Grande do Norte, como enviado especial do Jornal do Brasil, segundo nos comunicou).
Tenho, para mim, com base nas observações que costumo colher em contatos com políticos paraibanos e de outros Estados, que o Congresso que se prepara para instalar-se em fevereiro em Brasília, embora renovado em um terço, no Senado, e mesclado de caras novas na Câmara, está desafiado a provar que ficará em sintonia com o sentimento popular, cada vez mais dominante na tomada de decisões hoje no Brasil. Cito o caso da senadora eleita pela Paraíba, Daniella Ribeiro, do PP, que se mostra consciente da responsabilidade de corresponder e de representar a população em geral, mas especificamente representar bem o contingente feminino, dentro da perspectiva de emancipação que as mulheres têm alcançado, com conquistas crescentes, a partir da liberação sexual e do direito ao domínio sobreo próprio corpo. Villas-Bôas fez-se remanescente de uma época em que se dava valor, e muito, à oratória. Chega mesmo a falar no espetáculo dos discursos de oradores afamados e dos duelos antológicos entre governo e oposição. Havia um fascínio pelo Congresso, que foi se desgastando com o tempo, as decepções, os desenganos, lentamente, com altos e baixos, tropeços e piruetas, anotou o cronista experimentado, pai de outro jornalista respeitável, Marcos Sá Corrêa, que foi editor e colunista de Veja.
Em paralelo com o Congresso que se investirá dentro de alguns dias, já está funcionando o governo eleito democraticamente numa parada de segundo turno e que consagrou Jair Bolsonaro, um outsider político, como novo presidente. É um governo que já experimenta suas primeiras dores, como consequência natural do parto ou da gestação produzida pela manifestação das urnas, consagrando o que parecia novo e descomprometido de vícios e práticas antigas e aposentando temporariamente a grei petista que se assenhoreou dos comandos em embates antológicos com o PSDB e sucumbiu à tentação da corrupção, perdendo a bandeira da ética e da moralidade e abrindo um vácuo nas esquerdas, ainda hoje não resolvidas quanto aos papéis e protagonistas da liderança na oposição ao governo de Bolsonaro.
O Brasil continua gigantesco pela dimensão dos problemas que não foram equacionados ao longo dos tempos. Tome-se o exemplo de uma bandeira cara ao Nordeste o projeto de transposição de águas do rio São Francisco. Tomou impulso, misturado com a demagogia, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, na sequência, ainda com Dilma Rousseff, ungida por Lula como a sucessora, enfrentou paralisações, desvio de continuidade, de forma que é um programa inconcluso, até porque não teve no governo de Michel Temer o grau de compromisso que as gestões petistas, pelo menos teoricamente, assumiram. Dou a palavra a Villas-Bôas para o arremate sobre o Congresso de antigamente: Testemunhas do fim de uma época, não nos dávamos conta do privilégio de participar da transição que se prenunciava no equívoco que desafiava dúvidas. Muitos anos depois, Carlos Castello Branco, na última visita que fez a Ascendino Leite em João Pessoa, para se despedir, como previu sem nenhuma ênfase na dramaticidade, antes de morrer em primeiro dejulho de 1993, não resistiu aos encantos da cidade e, no embalo das lembranças, arredondou a frase exata: Ascendino, nós fizemos História. Será que nós, jornalistas que ainda sobrevivemos, poderemos vir a dizer o mesmo?
Nonato Guedes