O governador João Azevedo agiu de forma profilática ao decretar intervenção em organizações sociais como a Cruz Vermelha Brasileira, que administrava o Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena em João Pessoa, diante de indícios de irregularidades como contratos superfaturados, antieconômicos, onerosos e desnecessários. Evidente que a medida respinga nas gestões de Ricardo Coutinho, o maior fiador da contratação da Cruz Vermelha, inclusive, comprando brigas com profissionais médicos da Paraíba que se sentiram discriminados com a importação do modelo de gestão que deu no que deu. A decisão de Azevedo é um prato cheio e inevitável para a oposição no sentido de tentar prospectar, desde agora, sinais de um futuro rompimento político entre os dois aliados.
É evidente que é muito precipitado insinuar sintomas de pré-rompimento entre Azevedo e Coutinho. O governador atual, inclusive, foi extremamente cioso ao comunicar as decisões tomadas deixando claro que não questiona o modelo de gestão de modelo hospitalar através de organizações sociais, ou seja, organizações não-governamentais. Frisou mesmo que é um modelo extremamente acertado, que fez com que o Hospital de Trauma fosse o único do Nordeste com acreditação em nível II. Noves fora esse malabarismo do governador, ressalta um fato mais agudo: a preocupação dele com os reflexos de uma intervenção nacional, especialmente no Rio Grande do Sul, com quem a Paraíba tem contrato. O interesse, no caso, é o de preservar a qualidade da prestação de assistência ao público carente.
É o primeiro e delicado teste do governador João Azevedo na relação com Ricardo Coutinho. Os dois fizeram juras, na passagem de bastão, sobre lealdade e identidade. Para a opinião pública, Azevedo é a continuidade da Era Ricardo, que na administração estadual vicejou por oito anos. A propaganda na televisão, ontem à noite, insistia em demonstrar que segue o ritmo, seguem as realizações. Providencialmente omitiu que entrou em cena o estilo diferente. Aliás, João e Ricardo já se desdobraram ao máximo para tentar convencer que o que se traduz como estilo próprio não se confunde com práticas de descontinuidade na filosofia administrativa. O tempo se encarregará de mostrar se uma afinidade política-administrativa resiste em meio a tempestades. É que somente com o tempo se saberá se há outras minas de alto teor explosivo, oriundos da administração Coutinho, e que Azevedo avaliou por bem desativar. Nota-se que nesta primeira fase, nestes primeiros dias, já que o novo governo ainda não completou sequer um mês emblemático, os atores ou protagonistas estão pisando em ovos, deixando-se levar pela força dos fatos, mas atentos para agir diante da necessidade imperiosa de prevenir tsunamis desagradáveis para o governo e para a Paraíba.
Em outras fases da história política da Paraíba, houve rompimento de aliados políticos com rapidez impressionante, como se deu com Wilson Braga e Tarcísio Burity. Mas era ostensivo, para a opinião pública, que nos subterrâneos do poder havia a luta de Burity para se afirmar politicamente, diante do rótulo de neófito que lhe foi imposto pelo fato de até então não haver disputado mandatos eletivos, o que não impediu que em 82 já se lançasse candidato a deputado federal, sendo vitorioso, e que em 86 retornasse triunfalmente ao governo nos braços do povo. Foi essa ascensão política fulminante de Burity que açulou as divergências com Braga, dividindo-se os cordões e oficializando-se o rompimento mais na frente. João e Ricardo são de outra extração, é o que se diz, mas o enredo pode produzir uma repetição de cenários, evidente que guardadas as proporções e respeitadas as peculiaridades. João quis demonstrar, com os primeiros atos concretos, que não se deixará tolher por injunções quando for necessário defender o interesse do Estado. Se isto vier a contrariar quem quer que seja, paciência.
O mais difícil, em conjunturas assim, é conter os pescadores de águas turvas, plantados não no território oposicionista mas no próprio sistema governista que consagrou Ricardo Coutinho em duas eleições e fez Azevedo triunfar em primeiro turno numa disputa que, teoricamente, poderia ser desgastante e desvantajosa para quem está de plantão no poder. Blocos pró-João, pró-Ricardo já dão sinais de articulação, prontos para embates imprevisíveis que poderão advir. Isto se manifestará na própria bancada de sustentação do governo na Assembleia Legislativa do Estado a partir do funcionamento da nova legislatura. Vai ser preciso muito jogo de cintura ou imensa habilidade, tanto da parte de Ricardo como de Azevedo para administrar o inevitável contencioso que se vislumbra desde agora. O que se pode afiançar é que a intervenção nas OS não foi apenas uma medida profilática, elementar, do atual governador. Há algo mais no ar no reino da Dinamarca nordestina…
Nonato Guedes