Prestes a completar 39 anos de fundação, o Partido dos Trabalhadores continua rejeitando Dilma Rousseff como um quadro de expressão ou de importância na sua trajetória, embora ela tenha sido a primeira mulher eleita presidente da República. Na campanha eleitoral do ano passado, Dilma foi confinada a seus pagos em Minas Gerais como candidata ao Senado, sem galvanizar entusiasmo maior de petistas de carteirinha. O PT poderia, muito bem, ter tentado alavancá-la ressuscitando a narrativa do golpe, que é como o partido encara o processo de impeachment sofrido por Dilma no começo do segundo mandato. Mas cabeças coroadas do partido preferiram ignorar Dilma, abandoná-la à própria sorte, de tal forma que ela perdeu a disputa por uma vaga ao Senado, embora tenha começado o páreo na liderança.
Há uma grande dose de machismo enrustido na rejeição do petismo a Dilma Rousseff. Mas há outras razões que precisam ser esmiuçadas. O PT nunca considerou Dilma uma petista carimbada labora contra ela a circunstância de ter atuado politicamente no PDT, onde a projeção de Leonel Brizola sempre incomodou a Lula. Dilma passou a ser considerada uma invenção exclusiva de Lula para preencher o vácuo político em certo momento da conjuntura, mas não uma militante confiável ao PT, embora, por demagogia, José Dirceu a tenha saudado, no papel de candidata, como companheira de armas, por ter participado ainda que burocraticamente de investidas da luta armada no combate à ditadura militar instaurada em 1964. O próprio Lula chegou a se queixar, em reuniões internas e em declarações públicas, de medidas tomadas por Dilma no governo que ele considerou equivocadas e, por extensão, prejudiciais à imagem do Partido dos Trabalhadores.
O professor da USP Lincoln Secco, autor de livro sobre a história do PT, afirmou, certa vez, que o partido não poderia romper com Dilma, porque seria mais um suicídio do PT. Seria abrir uma crise tão grave no País que é melhor não imaginar. E indagou, numa entrevista a uma edição especial da revista Caros Amigos sobre o PT: Tinha que fazer ajuste? Então porque não dividir a conta com os de cima? Por que não taxar grandes fortunas? O PT entrou pela frente e escancarou as portas dos fundos. Os pobres chegaram à cozinha e olharam para a sala. Em junho de 2013, já perguntavam a um Lula visivelmente incomodado, o que havia nos quartos de cima. Lincoln é de opinião, inclusive, que o PT teve bastante espaço no primeiro governo de Dilma. Agora, de fato, Dilma não é petista. Ela não faz a mínima ideia do que são as instâncias do partido ou as tendências. Dilma foi imposta por Lula ao partido. E o PT aceitou porque não tinha alternativa. Sabemos que seus principais dirigentes estavam afastados pelo escândalo do mensalão, mas todo mundo achava que Dilma seria totalmente submissa ao Lula e que ele voltaria em 2015.
É fora de dúvidas que o PT comete injustiça profunda com Dilma Rousseff, que viabilizou, de todo modo, a continuidade, quando logrou se eleger à sucessão de Lula em 2010. Na época, a indicação de Dilma foi um achado, uma espécie de estalo de Vieira que acometeu Lula, que já tinha a percepção do desmonte da organização partidária porque tinha conhecimento das entranhas do mensalão e de outras práticas condenáveis, ainda que para efeito externo, ou mesmo para todos os efeitos, alternasse a cantilena entre a assertiva de ser ignorante do que se passava nos bastidores do PT e, posteriormente, construir o discurso de que o PT agira igualzinho a outros partidos no que diz respeito, por exemplo, à utilização do caixa dois, que o ex-tesoureiro Delúbio Soares denominou de dinheiro não contabilizado.
Abstraindo a má vontade do PT para com Dilma Rousseff e as restrições que o partido lhe opõe, a ponto de não tratá-la como líder, o desafio que se coloca, independente da posição ou da permanência da ex-presidente Dilma, envolve diretamente as chances de sobrevivência do Partido dos Trabalhadores no cenário político nacional. Quem é o líder emergente na agremiação enquanto Luiz Inácio Lula da Silva continua preso na Polícia Federal em Curitiba? Seria Fernando Haddad, que concorreu em 2018 e acabou saindo da disputa com um cesto de 45 milhões de votos? Não parece haver muito entusiasmo com Haddad, da mesma forma como nunca houve em relação a Dilma Rousseff. O PT é exclusivamente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem ele, o partido vai definhando cada vez mais perante a massa trabalhadora e os segmentos médios que fecharam com a legenda nos últimos tempos. É incerto o futuro da legenda, eis a verdade.
Nonato Guedes