O auto-exílio do deputado federal Jean Wyllys, do PSOL, em virtude de ameaças contumazes que vinha enfrentando no Brasil, infelizmente é o retrato acabado dos tempos sombrios que vivenciamos no Brasil. Até mesmo o vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, tratou de admitir como grave uma conjuntura em que representantes do povo, eleitos democraticamente, não têm liberdade para se expressar e, pior ainda, para residir no país. Parece estar em curso uma saga de despovoamento do nosso território, por falta de condições mínimas de convivência ou de sobrevivência. Em última análise, é a democracia que está seriamente ameaçada como esteve quando um militante do PSOL desferiu uma facada no então candidato a presidente Jair Bolsonaro, opositor feroz de Jean Wyllys quando atuavam na Câmara dos Deputados.
A intolerância não poupa ninguém, o que torna a nós todos reféns da insegurança, da anomia institucionalizada, já que o braço pesado da Lei não é acionado para debelar os focos de obscurantismo. Jean Wyllys paga o preço de ser homossexual e agente político de oposição numa sociedade ainda profundamente homofóbica, racista, preconceituosa. Trata-se de um parlamentar defensor de bandeiras polêmicas mas necessárias no regime democrático um parlamentar que, inclusive, foi reeleito para nova legislatura e que praticamente se sente forçado a renunciar ao exercício de um novo mandato porque não lhe são oferecidas as condições mínimas de ir, vir e se expressar como lhe convém. Estamos diante de um retrocesso, do retorno ao breu das tocas, coincidindo com a investidura no poder de um agrupamento conservador, direitista teoricamente aceitável dentro das regras da alternância democrática, mas que se torna estigmatizado na medida que exclui segmentos diferentes do pacto social cuja construção todos defendem mas cuja configuração está longe de ficar nítida para a opinião pública.
O que causa espécie, que choca a maior parte da sociedade brasileira e ecoa negativamente nos fóruns internacionais, é que se dá um ensaio de marcha-à-ré depois de tantos avanços conquistados em lutas ou embates memoráveis, no calor das ruas, a céu aberto. Desde 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, o país vinha acumulando conquistas e mais conquistas, na evolução dos costumes em todas as suas latitudes. O Supremo Tribunal Federal foi chamado a se manifestar sobre temas controversos envolvendo questões éticas e morais, desde a união homoafetiva ao fantasma onipresente da corrupção nas camadas de poder institucional. Sem prejuízo da democracia, cabeças coroadas do poder, como um ex-presidente da República, foram presos depois de condenados em processos conectados ao ritual legal praticado no país. Há debates intermináveis, com questionamentos de fundo, quer em campanhas eleitorais que se realizam sob a égide das regras democráticas, quer no recesso das campanhas, em outras tribunas ou palanques onde o cotidiano do cidadão brasileiro é debatido. Um capitão reformado do Exército chegou ao poder pela força dos votos, não das baionetas, e cercou-se de um séquito de militares e de expoentes de primaveras conservadoras, mas não se põe a cometer excessos ou a desrespeitar a Lei, até porque fez juramentos solenes acerca dos compromissos embutidos em plataforma vendida ao povo durante a campanha eleitoral.
De repente, dá-se a intranquilidade que leva um deputado federal reeleito a ir embora do Brasil porque não consegue enxergar as mínimas condições para viver e sobreviver. Não era este o Brasil que vínhamos construindo a duras penas, não é este o Brasil que desejamos para nossos filhos e nossos amigos. A saída abrupta de Jean Wyllys abre um perigoso precedente, cria um corte profundo na normalidade democrática que o Brasil vinha respirando. Exprime, contudo, o corolário de outros atos que têm sido praticados e para cuja gravidade nem sempre estamos atentos depois de passado certo período, como o assassinato da vereadora Marielle Franca e seu motorista no Rio de Janeiro. Um caldeamento negativo a que soma, agora, a tragédia ecológica em Brumadinho, Minas Gerais, pondo a nu a incúria governamental, de um lado, e de outro a ganância ilimitada de empresas mineradoras sem qualquer compromisso social ou coletivo. Já havíamos tido a tragédia de Mariana, no mesmo Estado de Minas Gerais, e passados os seus efeitos imediatos nada se fez para prevenir repetições indesejáveis. Agora, evolui-se para a prisão de diretores da empresa presente nas duas tragédias. É pouco, muito pouco, quando há registro de mortes e perdas incalculáveis. Mas o País precisa recomeçar do nada, para que seja possível recuperar as conquistas que havíamos obtido e que, agora, tornam-se incógnitas diante da realidade sombria desses tristes tempos. Que não se perca, pelo menos, a capacidade de indignação!
Nonato Guedes