Cada governo tem o Mourão que merece. Em 1964, o general Olympio Mourão Filho, comandante da Quarta Região Militar em Juiz de Fora, Minas Gerais, precipitou o golpe que depôs João Goulart, rumando com sua tropa para o Rio de Janeiro. Mal visto no Exército e com fama de meio doido, Olympio Mourão falava pelos cotovelos do plano de derrubar o governo, a ponto de muitos conspiradores desconfiarem que fosse um agente provocador. Vitorioso o golpe, perguntaram-lhe sobre a razão da ação precipitada. Ele respondeu com sua frase mais famosa: Em matéria de política sou uma vaca fardada. Se de acordo com a minha consciência estou certo, quem quiser que me siga. O historiador Jaime Klintowitz lembra que soou como a declaração de um idiota, mas Mourão gostou da própria tirada e a repetia aos jornalistas sempre que a ocasião permitia, como fez em João Pessoa numa roda no hotel Tambaú em que, entre outros, estava Severino Ramos, o Castellinho da Paraíba.
Olympio Mourão não teve sorte no regime militar e foi confinado praticamente à ociosidade, não logrando assumir a presidência da Petrobras, como lhe fora prometido. Acabou ministro do Superior Tribunal Militar, cargo que, até os inimigos reconhecem, exerceu com razoável decência. Morreu em 1972, ainda à espera de ser chamado para salvar o Brasil novamente, como anotou em suas memórias. Há, na conjuntura atual, em que um capitão reformado, Jair Bolsonaro, é o presidente da República, eleito pelos votos da maioria dos brasileiros no ano passado, um outro general Mourão o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, que já assumiu por duas vezes a titularidade do cargo. O general Hamilton tenta fazer contraponto a Bolsonaro posando de democrata ou de bonzinho com algumas categorias do funcionalismo público. Faz acenos conciliatórios na direção de opositores do presidente e já chegou a dizer, sobre as denúncias contra o senador eleito Flávio Bolsonaro, filho do presidente, que o problema do acusado estava no sobrenome.
Ontem, em meio ao imbróglio jurídico causado pela polêmica sobre se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que cumpre pena de prisão em Curitiba, deveria ser liberado para ir ao enterro do irmão, conhecido como Vavá, em São Paulo, o general Hamilton Mourão meteu a colher opinando que deveria ser dada a autorização para Lula comparecer ao sepultamento, alegando tratar-se de uma questão humanitária. O pitaco de Mourão colidiu com o ponto de vista do Ministro da Justiça, Sergio Moro, que foi contrário à liberação de Lula, e com idêntico pensamento do presidente Jair Bolsonaro, que aproveitou o quiproquó para reassumir o governo, dentro do hospital onde foi submetido a delicada cirurgia para retirada da colostomia. No núcleo palaciano, Hamilton Mourão está sendo considerado falastrão e inconveniente. No círculo íntimo-familiar de Bolsonaro, ele já é encarado com desconfiança, por estar supostamente conspirando contra o presidente da República. O ex-presidente Tancredo Neves, que não chegou a tomar posse devido a problemas de saúde acarretados por uma diverticulite aguda, costumava dizer que as grandes conspirações políticas nascem nos gabinetes dos vices.
Mourão foi admitido por Bolsonaro como vice-presidente dentro da estratégia de acalmar setores militares quanto ao alegado despreparo do ex-deputado federal do PSL do Rio de Janeiro para administrar o país e, também, quanto ao receio de que ele fizesse concessões fisiológicas além do limite para conseguir aprovar matérias no Congresso Nacional. Mesmo com Bolsonaro no exercício pleno da presidência da República, o vice-presidente general Hamilton Mourão não deixa de fazer relações-públicas com a imprensa e de externar opiniões, por mais desencontradas que sejam com as de Bolsonaro. Guardadas as proporções, já foi comparado nos meios políticos a José Alencar, empresário mineiro, vice de Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhou fama de boquirroto por estar sempre criticando as altas taxas de juros. A diferença é que Alencar não tinha perfil de conspirador e nem vivenciou atritos mais sérios com Lula, que o respeitava profundamente. Quanto ao vice-presidente de Bolsonaro, não há garantia de que ele pretenda calar a boca ou rarear manifestações de opiniões. Ele está deslumbrado com outra fama que ganhou a de queridinho da imprensa, esta, por sua vez, interessada em hostilizar Bolsonaro como revanche a ataques e hostilidades que ele costuma disparar contra jornalistas. Quando chegou ao Palácio do Planalto como presidente em exercício, substituindo a Bolsonaro que havia se deslocado para a Conferência de Davos, na Suíça, Mourão mandou ver: É com extrema satisfação que o Flamengo venceu ontem e o Botafogo perdeu. Um abraço aí. Assuntos não faltam no repertório de Mourão, muito menos disposição para abrir a boca sempre que avistar um jornalista por perto.
Nonato Guedes