Senador por Alagoas e dono de uma esperteza que o levou a presidir o Congresso por várias vezes, Renan Calheiros (MDB) experimentou neste final de semana o reverso da medalha, elevado à condição de grande vilão político nacional, repudiado em redes sociais e em outras manifestações de brasileiros, do Oiapoque ao Chuí e finalmente desmoralizado na tentativa de empalmar mais uma vez o comando de uma instituição que luta para vencer o profundo desgaste enfrentado no cenário nacional. Renan Calheiros é, reconhecidamente, um dos últimos coronéis políticos, versado no varejo das chicanas que o iludiram a ponto de considerar-se um gênio da política. Teve que ser ejetado a fórceps, já que resistiu bravamente na sanha para manejar os cordéis do poder. Desta vez não deu, para o bem do Brasil.
Renan é um dos expoentes da arcaica constelação política que tem dominado o cenário nacional por meio de expedientes excusos. É surpreendente que tenha sobrevivido tanto tempo, a tantos governos, e que até hoje não tenha sido alcançado pelo braço da Lei, a despeito de ter construído, ao invés de uma trajetória digna, um prontuário, com acusações sobre acusações que desfiguram o seu caráter e desnudam a sua personalidade nociva. Renan é um mal para a democracia, porque nunca procurou fazer o bem pelo País ou para o País. É uma excrescência política, que saltou com desenvoltura de governo em governo graças a artimanhas de baixo calão, uma das quais a bajulação. Ou a sabujice.
Remanescente da República do pato laqueado na China que ungiu Fernando Collor para mandar no Brasil por pelo menos 20 anos, Calheiros assistiu, boquiaberto, ao impeachment do parceiro político em menos de dois anos de governo, tragado, na década de 90, pelo esquema PC Farias, de gangsterismo político e que versava sobre tráfico de influência e maquinações de assalto aos cofres públicos para gáudio ou proveito de uma minoria de apaniguados pelo menos assim se julgavam. A sociedade ligou as antenas em tempo hábil e safou-se do esquema escandaloso. Collor cumpriu seu exílio e voltou apagado à ribalta política. Renan, lépido e fagueiro, já identificava com olhos de lince novos candidatos a parceiros, passando por Sarney e por outras raposas políticas carcomidas.
Teve a sagacidade de enfronhar-se, inclusive, nos domínios do exigente Partido dos Trabalhadores comandado, da prisão, por Luiz Inácio Lula da Silva e paladino de uma ética que se concentrou no mensalão, no petrolão e em no impeachment de Dilma Rousseff. O que restou de petista no Senado, nessa nova configuração, ensaiou a caminhada para os domínios de Renan Calheiros até render-se à evidência de que não dava mais e de que era preciso mudar o enredo para uma adaptação à nova realidade política, social e cultural imperante no Brasil, com a derrubada de velhos vícios, de antigos costumes que não encontram mais espaço na conjuntura contemporânea. Expurgar Renan do comando do Senado Federal foi tomada como uma questão de honra por grande parte dos segmentos sociais, cansados e chocados com os maneirismos e a pretensa habilidade do provinciano político das Alagoas. O ciclo se fecharia mesmo com a punição de Renan, nos limites da Lei da Ficha Limpa, computadas as dezenas de falcatruas pelas quais é responsabilizado em processos e inquéritos que se abrem e se fecham com uma velocidade estonteante.
A impressão que se tem, depois do desfecho da eleição do Senado que alçou à presidência um desconhecido do grande público, o senador Davi Alcolumbre, é que se aprofunde o isolamento dos Renans que proliferam naquela Casa e também no âmbito da Câmara Federal e que o processo de limpeza e oxigenação dos quadros políticos siga adiante no mesmo compasso do baile da vida que segue. Afinal de contas, o Brasil tem passado, nos últimos anos, por ensaios e testes de experimentos que possam consolidar a modernidade política, virando a página dos escândalos, das falcatruas, das prisões de tipos como Sérgio Cabral, recordista já não mais em mandatos mas em sentenças judiciais. O Brasil passado a limpo sempre foi uma grande aspiração da sociedade, mas também sempre se soube que se tratava de um processo lento e gradual, para o que a opinião pública teria que ter paciência. Os avanços estão se cristalizando, bem ou mal. Mais importante é a conscientização que hoje é jurisprudência quanto à necessidade de transformar a vida pública num sacerdócio, não num negócio, como pregava, décadas atrás, o senador e poeta paraibano Ronaldo Cunha Lima.
Nonato Guedes