A morte de Bibi Ferreira (Abigail Izquierdo Ferreira) calou fundo na alma nacional por se tratar de uma figura estelar, de uma artista múltipla e grandiosa, sob todos os pontos de vista, que desde pequena já frequentava os palcos, mais precisamente aos 24 dias de nascimento, usada em cena no lugar de uma boneca. Bibi era fenomenal, não apenas como atriz, mas, também, como cantora, compositora, diretora. Deixa um legado extraordinário que passa pela Paraíba, por ter dividido momentos marcantes da sua existência ao lado do querido Paulo Pontes, que se foi precocemente. Dá para imaginar a emoção que tomou conta de Bibi por ocasião de uma das apresentações que fez em João Pessoa no Teatro Paulo Pontes, do Espaço Cultural.
Nem mesmo uma biografia extensa consegue capturar a grandiosidade de Bibi Ferreira, escreveu André Luiz Maia no Correio da Paraíba de hoje, numa definição certeira, precisa, coerente com a personagem. Filha de Procópio Ferreira, monstro sagrado da dramaturgia nacional, Bibi confessou numa entrevista que, em princípio, não era vocacionada para as artes ou o teatro. Em depoimento à TV Cabo Branco, na apresentação que fez há poucos anos, lembrou que Gota DAgua, de Chico Buarque e Paulo Pontes, era um marco para ela, que não cansava de interpretar o texto de cor e salteado. Bibi era divina e seu grande amor foi com o público, para quem ela dirigia todas as suas energias. Teve várias estreias pois, no dizer de André Luiz Maia, uma estrela da sua magnitude não faz apenas uma estreia em cena.
O pai, Procópio Ferreira, casado com a bailarina espanhola Aída Izquierdo, era um ator responsável pela profissionalização do ofício no país. Bibi Ferreira teve uma infância repleta de aulas e ensaios nas mais diversas expressões artísticas, o que a faria subir ao palco com um repertório robusto, não fosse, também, a natureza eclética da sua personalidade, sempre às voltas com descobertas, com experimentos associados ao talento e às coisas do espírito. Canto, dança, interpretação, talento para escrever uma artista completa. Ela costumava definir que o teatro constituía-se no maior meio de comunicação de todos os tempos, desde os festivais dionisíacos aos dias atuais. O teatro tem o papel de comunicar a verdade ao povo, arrematava.
Uma definição que era, também, da lavra do teatrólogo paraibano Paulo Pontes. Em inúmeras palestras ou conferências, Paulo Pontes deixava clara a lição de que nada valeria a arte se ela não configurasse uma representação popular, traduzida em espetáculos como A Cara do Povo Do Jeito Que Ela É. Juntos, Bibi Ferreira e Paulo Pontes produziram pérolas inesgotáveis de sabedoria e de transmissão de cultura para diferentes gerações. É pena que a permanência de Paulo entre nós tenha sido efêmera demais, como lamentam, ainda hoje, expoentes da sua fase áurea, como Alarico Correia Neto, ou como pontuavam amigos de fé, irmãos, camaradas, como Severino Ramos, que procurou se compensar da ausência de Paulo aprofundando relações com Ipojuca Pontes, de outra vertente intelectual, mas não menos prodigiosa, tanto que chegou a ministro da Cultura, embora no governo de Fernando Collor, que não tinha propriamente apreço pela Cultura.
Bibi Ferreira era avassaladora isto implica na relação de empatia que conseguiu estabelecer com públicos variados, que a aplaudiam com convicção, pela satisfação de estarem diante do talento, da personificação de uma artista completa, que não se limitou às fronteiras do Brasil, assinalando passagens por Londres e por Portugal, onde buscou aprimorar conhecimentos, mas deixando raízes e o legado do que já aprendera ou assimilara. Bibi dirigiu Brasileiro, Profissão Esperança, de Paulo Pontes, chegando a trabalhar com a novata Maria Bethânia, além de Clara Nunes, presente em outra versão. Paulo Pontes morreu em 1976, aos 36 anos, vítima de um câncer de estômago. Bibi se despediu aos 96 anos de idade. Uma de suas montagens ambiciosas foi Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo, dando conta de um elenco composto por mais de 50 artistas. Que o Céu te receba com festas, Bibi. Ah! E muito obrigado por tudo!
Nonato Guedes