O intelectual Tarcísio Burity, que governou a Paraíba por duas vezes na primeira, a partir de 1979, escolhido por via indireta, com aval do regime militar, e na segunda, a partir de 1987, ungido pelo voto popular (obteve quase 300 mil votos de vantagem sobre o adversário Marcondes Gadelha) comprou inúmeras brigas com políticos, de deputados estaduais a senadores, geralmente por se sentir pressionado a fazer concessões que não desejava fazer. Burity perdeu duas eleições para a presidência da Mesa da Assembleia Legislativa, rompeu estrepitosamente com o PMDB, que lhe deu legenda e respaldo para voltar ao governo em 86, enfrentou manobras regimentais na Assembleia para retirar-lhe poderes que a Constituição lhe outorgava e envolveu-se num quiproquó de dimensão nacional por ter supostamente chamado o Senado de vergonha nacional em entrevista à imprensa.
O incidente com o Senado deu-se no final de 1980 e o então governador foi acionado pela Mesa do Senado, por telex, através do primeiro-secretário Alexandre Costa, a explicar detalhes da crítica contundente à instituição. Burity respondeu que não classificara o Senado de vergonha nacional mas reafirmou críticas a alguns senadores que protelavam a votação de matérias de interesse da Paraíba no plenário daquela Casa. Textualmente, esclareceu que com a responsabilidade de governador de um Estado pobre e carente como a Paraíba, atingido por dois anos consecutivos de seca, sentiu-se obrigado a protestar contra recursos protelatórios utilizados por alguns senadores na votação de matérias de interesse do Estado.
Burity disse que fez críticas mas também elogiou alguns parlamentares inclusive da oposição, que independente de filiação partidária e de questiúnculas pessoais colocaram-se ativamente na defesa da comunidade. No final da resposta, o governador explicou que suas críticas haviam sido feitas exercitando o mesmo direito de livre expressão, usado pelos senadores quando criticam os representantes de outros poderes. Professor universitário e especialista em Filosofia do Direito, Burity teve dificuldades para ser absorvido pelos políticos paraibanos ao ser indicado governador, atropelando postulantes que julgavam ter mais méritos. Confrontou-se com deputados estaduais do PDS que saíram vitoriosos no bojo de uma dissidência que impôs Mesa eclética na Assembleia e foi extremamente rigorosa na apreciação de matérias oriundas do Executivo.
A dinâmica dos fatos empurrou Burity para a disputa de mandatos políticos no voto, a céu aberto. Em 82, depois de se afastar do governo, candidatou-se a deputado federal pelo PDS, alcançando votação expressiva em torno de 170 mil votos, o que intensificou a ciumada em relação a seus passos. Na Câmara, já no PFL, participou de um bloco autônomo que exigia eleições diretas para presidente da República e contestava medidas econômicas do governo de João Figueiredo, o último do ciclo militar. Ainda assim, Burity não era assíduo em plenário ou comissões considerava inócuos muitos dos debates agendados na Casa. Chegou a ser ironizado por Marcondes Gadelha com a observação de que havia sido barrado pelo porteiro ao tentar entrar no Congresso estava sem crachá e o funcionário pôs em dúvida sua condição de parlamentar. Jornalistas costumavam flagrar Burity, em plena agitação de sessões parlamentares, recolhido à biblioteca do Congresso, devorando livros sobre Ciências Políticas. O ex-ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, escalado pelo Planalto para mediar um arranca-rabo entre deputados governistas e Burity, tentou colocar panos mornos na polêmica, qualificando o governador paraibano de político não convencional.
Seja por ter se indisposto com senadores, seja realmente por inapetência, Burity relutou muito em concorrer a uma vaga ao Senado. Quando se lançou candidato, já estava fora do poder e enfrentava problemas de saúde, agravados pelos disparos que foram feitos contra ele pelo ex-governador Ronaldo Cunha Lima no restaurante Gulliver em João Pessoa. Ainda assim, Burity, que morreu em 2003, marcou época, reinando por praticamente uma década na Paraíba e tomando medidas polêmicas ou corajosas, como a de ir ao quartel da Polícia Militar demitir o comandante da corporação, que estaria conspirando contra seu governo. Também decretou intervenção branca na prefeitura de João Pessoa, na gestão de Carneiro Arnaud, em meio à chantagem de empresários de ônibus para reajuste na tarifa ele criou às pressas uma estatal, o Setusa, e disponibilizou frota de ônibus terceirizados para atender à população no dia marcado pelos empresários para o lockout. O diagnóstico de Abi-Ackel sobre Burity ser um político não convencional acabou se revelando profético.
Nonato Guedes