Não bastassem os problemas enfrentados pelo Partido dos Trabalhadores no pós-operatório das eleições presidenciais que ungiram em outubro do ano passado o outsider Jair Bolsonaro, eclode um grave princípio de crise tendo como pano de fundo a eleição para o comando nacional do PT, a ser travada no segundo semestre. O problema é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba e sob ameaça de ser transferido para Pinhais, tem dito com ênfase a próceres petistas que quer a manutenção da deputada e ex-senadora Gleisi Hoffmann no topo da cúpula da legenda. Numa conversa, na cela em Curitiba, com Jaques Wagner e Humberto Costa, Lula assim argumentou: Precisamos animar a tropa. É hora de ficarmos unidos. A Gleisi é a pessoa certa para isso. Conforme relata o jornalista Guilherme Amado na revista Época, os petistas ficaram estupefatos com a confissão de Lula. Mas indaga Guilherme como confrontar um ex-presidente de 73 anos, preso há 300 dias e sem perspectiva de sair da prisão?
Contrariar Lula pareceria um abandono o maior medo do ex-presidente. Segui-lo cegamente, entretanto, equivaleria a manter Hoffmann e o foco absoluto no Lula Livre. É o mantra de Gleisi, desfocado da realidade, porque a grande maioria de líderes petistas prega que o partido seja mais do que a bandeira em voga Lula Livre. O contencioso, porém, é mais grave do que se imagina. Gleisi é tida como arrogante, desagregadora e despreparada para conduzir a legenda num instante crucial da sua sobrevivência. Não falte quem lembre que, na presidência do PT, ela embarcou para Caracas para bater palmas para Nicolás Maduro, sem avisar ao partido. Gleisi, por outro lado, segundo Guilherme Amado, não consegue andar pelas ruas de Curitiba diante do risco de vaias e se mudou de vez para Brasília com os filhos, vivendo praticamente isolada em casa. A impopularidade de Hoffmann chegou ao ponto de impedi-la, quando tem de ir ao Paraná, de cruzar o aeroporto Afonso Pena. Imitando a atitude de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, ela desce por uma escada lateral, diretamente do avião para a pista. E, quando é reconhecida, acelera o passo.
Um expoente do diretório nacional que tenta convencer colegas a peitar Lula e lançar uma candidatura alternativa à de Hoffmann, sentenciou que Lula não tem como avaliar de dentro da prisão a gravidade do cenário. A Gleisi é inviável, acrescenta, pontuando que do jeito que está, o PT está preso na mesma cela que Lula. A opção preferida de nove entre dez petistas que se opõem a Hoffmann é Fernando Haddad, que emborra evite confrontar Lula e negue intenção de presidir o partido, engrossa o coro contra a reeleição. Não apenas por comungar das opiniões de que Gleisi dificulta a sobrevivência do PT mas porque as rusgas entre os dois surgidas antes da campanha continuam fortes. Haddad e Hoffmann mal se falam. Ela não tem participado do planejamento das caravanas do partido que recomeçam neste mês por Fortaleza e Teresina, lideradas por Haddad. Também está fora da formulação do pacote de propostas para a segurança pública e o crime organizado que Haddad está preparando, com petistas e advogados paulistas, num contraponto ao ministro Sergio Moro.
A oposição a Gleisi não é unânime, como nota o colunista da Época, mas é robusta. O ex-ministro José Dirceu, que é respeitado dentro do PT, despreza Gleisi. Num evento recente em Brasília, pregou a união da esquerda, a exemplo de Lula, mas foi severo na crítica sobre os rumos da agremiação. Ficamos longe do povo. Perdemos esse espaço para igrejas evangélicas. A culpa não é das igrejas, é nossa. Os dirigentes do PT se afastaram do povo, frisou. O PT tenta se adequar à realidade no Congresso. Na Câmara, tema maior bancada mas não participou da vitória de Rodrigo Maia e embarcou, ao menos oficialmente, na candidatura de Marcelo Freixo, do PSOL, para a presidência. Acossados no Senado, onde chegaram a ser 13, os seis remanescentes do partido dependem da boa vontade de Davi Alcolumbre para presidir alguma comissão. Para estancar a sangria de cargos perdidos, tiveram de formar um bloco com o PROS de Fernando Collor de Mello. Nas duas Casas, perderam a liderança da oposição, que na Câmara ficou com Jandira Feghali, do PCdoB, e no Senado com Randolffe Rodrigues, da Rede. Distante de Brasília, Fernando Haddad continua sendo a única solução à vista do partido. Diz Guilherme Amado no fecho do comentário em Época sobre a crise: A peregrinação de visitas a Lula na prisão vai recomeçar. E numa delas, como nunca antes na história deste país, Lula ouvirá o primeiro não do PT.
Nonato Guedes