Na constelação da Junta Militar que se assenhoreou do poder por dois meses a partir do final de agosto de 1969, figurava um militar paraibano Aurélio de Lyra Tavares, natural de João Pessoa, que tinha uma faceta pouco conhecida dos colegas de caserna: era poeta e valia-se de um pseudônimo, Adelita, agrupando as iniciais do seu nome, para conseguir publicar em alguns jornais os versos que cometia, sem brilho literário na opinião de críticos da área cultural. Lyra Tavares, que é nome de rua na Capital paraibana, morreu aos 93 anos no Rio de Janeiro, em 18 de novembro de 1998. Depois de entregar o poder para Garrastazu Médici, Lyra Tavares foi nomeado embaixador brasileiro na França e assumiu a cadeira número 20 da Academia Brasileira de Letras (ABL).
A Junta Militar investiu-se com a doença do presidente Costa e Silva, impedindo a posse do vice-presidente Pedro Aleixo, civil e político mineiro. Faziam parte, ainda, do triunvirato militar o almirante Augusto Rademaker, ministro da Marinha e o brigadeiro Márcio de Souza e Mello, titular da Aeronáutica. Durante dois meses, a Junta Militar enfrentou o sequestro do embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, que foi trocado por oito presos políticos exilados no México entre os quais Fernando Gabeira, redator do Jornal do Brasil e integrante de uma organização de esquerda. Na fase do exílio, na redemocratização pós-ditadura militar, Gabeira voltou ao Brasil e chocou antigos colegas de militância esquerdista ao posar de sunga nas praias cariocas e pregar o que era chamado de utopia, como a defesa do meio ambiente, hoje uma preocupação prioritária no mundo inteiro. Gabeira chegou a ser cotado para candidato a vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) numa das disputas de que ele participou, mas foi vetado pelo próprio Lula, que o considerava difícil de ser levado a sério pelo eleitorado majoritário do país.
A Junta Militar acabou ganhando o apelido de Junta dos Três Patetas, cunhado pelo deputado Ulysses Guimarães (SP), que era o presidente nacional da Oposição, chefiando a legenda do MDB, que fazia contraponto à Arena, agremiação de sustentação da ditadura militar. Lyra Tavares, ou Adelita, para os imortais, era engenheiro civil e bacharel em Direito. Casou-se em 1934 com Izolina. O casal teve duas filhas. No livro A História dos Presidentes do Brasil, de Worney Almeida de Souza, consta que em 1926 Lyra Tavares foi promovido a segundo-tenente. De 1928 a 1930 serviu de ajudante-de-ordens do general diretor de Engenharia. Dois anos depois, foi promovido a capitão e serviu em Cachoeira, no Rio Grande do Sul. Em 1932, tornou-se instrutor da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Em 1939, foi promovido a major na Quinta Região Militar (Paraná e Santa Catarina). Em 1942, foi designado observador militar do Exército americano na campanha do norte da África e foi membro do Estado-Maior Especial da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Foi sub-chefe da missão militar brasileira na Alemanha durante a ocupação em 1945. Durante os anos de 50 e 60, foi promovido até chegar a general-de-exército em 1964.
A grande parte dos historiadores brasileiros concorda que o período de Costa e Silva na Presidência, sucedido pela Junta Militar, foi simbólico do endurecimento do regime militar, com sucessivas ações ofensivas para exterminar focos tidos como subversivos ou guerrilheiros. Em 68 foi editado o Ato Institucional Número Cinco, que conferia poderes extraordinários e arbitrários ao regime. Foi quando se deu a longa noite das trevas com inúmeras cassações de mandato, fechamento do Congresso Nacional, decretação de ilegalidade de entidades estudantis como a UNE ou sindicais, aplicação da censura a jornais, livros, revistas e outros meios de comunicação, sem falar nas torturas praticadas nos porões de unidades militares. A Junta Militar composta por Lyra, Rademaker e Márcio Mello editou ainda os Atos Institucionais 15, indicando a data de 15 de novembro de 1970 para os municípios sob intervenção federal, 16 declarando vagos os cargos de presidente e vice e o 17, que transferia à reserva militares que atentassem contra a coesão das Forças Armadas. Não consta que a Junta Militar tenha sido valiosa para o país muito pelo contrário. Em círculos independentes na Paraíba, Lyra Tavares é encarado como uma triste figura que se submeteu a papel de serviçal da ditadura militar. De concreto, ele não beneficiou a população da Paraíba em absolutamente nada. Entrou para a História pela porta do jocoso e do patético, como mencionou o doutor Ulysses.
Nonato Guedes