Um dos episódios significativos da história do Brasil na década de 60, no período que antecedeu a eclosão do golpe militar de 31 de março de 1964, foi a frustrada articulação para trazer à Paraíba o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, a fim de conhecer, de perto, as Ligas Camponesas na região de Sapé. No livro Nordeste o Vietnã que Não Houve, o ex-deputado Assis Lemos, que foi cassado por seu ativismo de esquerda e por suas ligações próximas com o governo do presidente João Goulart, deposto pelos militares, conta detalhes de reunião promovida por Jango em Brasília com o embaixador americano Lincoln Gordon e o representante especial de Kennedy, Pierre Salinger.
Jango, numa conversa com Kennedy em Washington, sentiu interesse da parte dele em ter um encontro com os camponeses nordestinos. Na época, versões alarmantes chegavam à Casa Branca, por mala diplomática, advertindo para o perigo de o Nordeste brasileiro transformar-se num Vietnã, onde a intervenção americana revelou-se desastrosa para conter vietcongs que reagiam a regime de direita apoiado por Washington. A intenção do presidente Kennedy era dirigir-se aos brasileiros a partir do Recife para falar sobre planos de ajuda ao Nordeste. O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que depois foi deposto com a eclosão do golpe militar brasileiro, receava que houvesse perturbação na visita de Kennedy por parte de grupos radicais.
Assis Lemos foi acionado, na reunião em Brasília, a tentar coordenar a realização, na Paraíba, do evento em que Kennedy anunciaria o Nordeste como prioridade da Aliança para o Progresso. A concentração oficial seria realizada na cidade de Sapé e no palanque discursariam três oradores: o presidente John Kennedy, a primeira-dama Jacqueline Kennedy e um camponês brasileiro, representando as Ligas Camponesas que tinham como grande inspirador o ex-deputado por Pernambuco Francisco Julião. Lemos informa que ficou chocado, no retorno à Paraíba, com manifestações insultuosas de companheiros seus e de lideranças camponesas que consideravam uma afronta a visita de Kennedy, o chefe do imperialismo internacional a Sapé, o coração das Ligas Camponesas. Presidentes da UNE, CNT, CGT, PUA e o próprio Julião repudiaram o comportamento de Assis Lemos. O jornalista Osvaldo Costa escreveu um artigo violento contra Lemos, publicado em página inteira num jornal porta-voz dos nacionalistas.
– Não foi lembrado que no dia 30 de julho de 1961, o irmão do presidente Kennedy, senador Edward, havia visitado o Engenho Galiléia em Pernambuco, onde fez um discurso traduzido pelo economista paraibano Celso Furtado. Na ocasião, Zezé de Galiléia, líder e fundador da primeira Liga Camponesa de Pernambuco, solicitou ao senador um gerador de energia, tendo sido atendido o pedido, fato destacado pela imprensa no dia primeiro de agosto daquele ano narra Assis Lemos. O ex-deputado paraibano, que ainda é vivo, esteve com o líder comunista Luís Carlos Prestes, de quem ouviu a opinião de que a esquerda deveria aproveitar a vinda de Kennedy e tentar tirar vantagem política, expondo a verdadeira situação de miséria dos trabalhadores rurais e os crimes praticados contra eles por latifundiários. A solenidade teria cobertura da imprensa internacional e, pelos cálculos repassados a Assis Lemos, o saldo da manifestação poderia contribuir para isolar o latifúndio e colocar o presidente Kennedy a favor da reforma agrária. Por força do destino, a visita não aconteceu. O presidente americano foi assassinado pouco tempo depois em Dallas, no Texas.
O jornalista Paulo Francis, na sua coluna Diário da Corte, de 25 de novembro de 1993, sob o título Kennedy e o Brasil escreveu: John Kennedy vinha nos visitar quando foi assassinado. Primeira parada: Nordeste. Dois motivos: Kennedy achava o Nordeste uma das regiões mais críticas do mundo.Disse isso, saiu na nossa imprensa. Com o assassinato do presidente Kennedy, a programação agendada para Sapé foi automaticamente cancelada. O presidente João Goulart anunciou, então, que viria à Paraíba para visitar Sapé, onde faria um pronunciamento à Nação. Ele desejava visitar apenas Sapé. A passagem por João Pessoa seria protocolar, quando iria encontrar-se com o governador Pedro Gondim no Palácio da Redenção. A visita ficou acertada para o dia 29 de julho de 1962. Interferências políticas alteraram o programa substituíram Sapé por visitas a João Pessoa e Campina Grande. O general Costa e Silva, comandante do IV Exército, fez de tudo para evitar contato do presidente com o público. Circularam versões de que Costa e Silva teria vindo para um comício na Lagoa do Parque Solon de Lucena disfarçado de camponês. Goulart foi recebido de forma apoteótica e ainda se dirigiu a Campina Grande, onde discursou de forma mais contundente. O epílogo da história pré-64 é conhecido: o golpe militar foi articulado, Jango acabou deposto, Pedro Gondim e Assis Lemos foram cassados e as Ligas Camponesas impiedosamente esmagadas pelos militares.
Nonato Guedes