O presidente Jair Bolsonaro faltou a aulas sobre a liturgia do poder, com regras de pompa ou austeridade para dignitários da República, papel a que foi alçado pelas urnas no ano passado depois de desfilar como candidato outsider ao Palácio do Planalto. É o mínimo que se depreende ante a insólita atitude do mandatário supremo do País compartilhando, em rede social, um vídeo com cenas escatológicas de foliões, seguido do arremate de que formam o retrato do Carnaval no Brasil. Que há excessos na folia de Momo, há. Sempre houve, desde que o Brasil é Brasil. Mas não é o caso de generalizar a situação. O presidente ofendeu a sociedade ou a tradicional família brasileira com seu comportamento de mau gosto, ele que faz tanta apologia do culto a valores conservadores.
Se o modelo do marketing do governo Bolsonaro para apresentar o Brasil for por aí, estamos fritos e mal pagos. Nada impede que autoridades mergulhem no fair-play em ocasiões como o Carnaval, que, aliás, tem como uma de suas características satirizar figuras do poder em bonecos e outras imagens com tom de caricatura o próprio Bolsonaro, que é um prato cheio para essas alegorias, esteve presente nas representações encetadas em diferentes lugares do território nacional. O jocoso grotesco, contudo, é o fim da picada. Revela pobreza de espírito e indigência no quesito criatividade. Bolsonaro acabou sendo, no final das contas, o grande histrião na alegoria que intentou promover.
Pode-se alegar que isto é apenas o coroamento de um governo que acumula coisas mais graves, irregularidades cabeludas, a exemplo do protecionismo a milicianos, do preconceito e da intolerância com segmentos cujo perfil libertário e identitário parece trazer à tona instintos primitivos enraizados no âmago da personalidade do capitão-presidente. Já tivemos em pouco tempo de gestão episódios nada edificantes de desrespeito a direitos humanos, de dificuldade de convívio com o contraditório, de tentativa de imposição de modelos de ideologia de gênero que não conferem com os padrões desenhados na sociedade em todo o mundo nos últimos anos. O governo de Bolsonaro assume-se como um governo de direita, sem, naturalmente, as credenciais para ser moderno. Está mais para o direitismo hidrófobo, que conduz ao retrocesso, que apequena a sociedade brasileira no contexto dos avanços que segmentos sociais vinham palmilhando, a partir da conscientização sobre o significado do conceito de diversidade ou de pluralidade.
Essa blitzkrieg que tem sido operada pelo presidente Bolsonaro na área dos costumes, das posturas estéticas, dos valores morais, é um capítulo triste, lamentavelmente, na crônica das batalhas sociais históricas travadas a céu aberto contra a segregação, o ódio, a censura no âmbito do comportamento. Falta a Bolsonaro a visão de longo curso, do ponto de vista da abrangência, para ser presidente da República numa Nação que historicamente se pauta por sincretismos religiosos, por misturas étnicas, por caldeamento de raças e, ultimamente, por posturas específicas, diferenciadas, no campo da sexualidade. O Supremo Tribunal Federal teve mais sensibilidade para assimilar as mudanças dos tempos e dos costumes, julgando com serenidade causas extremamente controversas e despertando aplausos pelo viés progressista com que procurou revestir sentenças, via de regra controversas e, por assim dizer, paradigmáticas.
Esqueça, presidente Bolsonaro,essa vocação incomensurável para bedel que o senhor demonstra.
O Brasil quer comprovar sua habilidade no oferecimento de resultados e indicadores positivos na Educação, na Saúde, na Segurança Pública, na Cidadania. Esse quiproquó sobre Carnaval não acrescenta nada, nem como adereço, diante do mau gosto, do estilo bocó da fantasia com que o capitão-presidente fulminou os foliões. Deixe foliões e foliãs em paz, presidente! Cuide do Brasil, que é sua responsabilidade!
Nonato Guedes