(para minha mulher, Bernadeth, psicóloga, e para minha amiga Brígida Brito, terapeuta)
No Dia Internacional da Mulher, que é celebrado hoje, pelo menos oficialmente, as mulheres, particularmente no Brasil, estão amarguradas, vendo-se sem motivos para comemoração ou sem entusiasmo para receber flores, um símbolo do carinho por elas. Estão cobertas de razão porque estão nuas de segurança, proteção, respeito. As estatísticas são alarmantes, dramáticas, no que concerne à proliferação dos feminicídios, a condenável prática de matar por ódio, por inveja, por preconceito, segregação, chame-se lá o que for essa escalada que depõe contra padrões mínimos de civilidade e ao mesmo tempo conspira contra avanços alcançados à custa de duras lutas, de batalhas renhidas, por parte das contemporâneas heroínas do Tejucupapo, que expulsaram holandeses invasores da costa de Pernambuco, com uma audácia poucas vezes registrada na história do Brasil.
As mulheres sempre se intitulam guerreiras e não é por acaso que assim se denominam mas por reflexo da condição em que vivem, das jornadas triplas ou múltiplas que são obrigadas a sujeitar-se, nos papéis de mãe, esposa, dona de casa, educadora, trabalhadora. E o que dizer da disparidade de salários que enfrentam nos lugares de trabalho, em confronto com homens, ainda que sejam eventualmente superiores ou incomparavelmente mais competentes e talentosas nos ofícios que empalmam? Que faz o Poder Público, em todas as esferas, para devolver às mulheres o que lhes é de direito a argamassa da vida digna, condigna, anti-escravocrata? Elas estão sempre batalhando, incomodando os poderosos de plantão, as elites dominadoras, até mesmo companheiras de gênero que ora são alienadas, ora chegaram à exaustão no embate diário contra as injustiças, as desigualdades de toda natureza.
Cada vez mais mulheres ingressam na política porque descobriram que é o território onde o preconceito contra elas é fomentado através de leis produzidas ou elaboradas por homens que se recusam a abrir a cabeça para a compreensão e aceitação do entendimento da igualdade de competências em casos e situações específicas. E os políticos homens continuam avaros no reconhecimento aos direitos inalienáveis, legítimos, das mulheres. Fazem concessões como se estivessem prestando um favor, outorgando migalhas, para abafar o choro das mulheres ou para esmagar o coro de vozes que se torna tonitruante por ocasião das manifestações em que são reivindicadas as bandeiras a elas pertencentes. Ainda agora é preciso redobrar a vigilância e a atenção diante de manobras maquiavélicas empreendidas por homens predadores, que acenam com leis de cotas para participação na vida pública, mais assemelhadas a variações dos éditos de abolição da escravidão, página degradante da historiografia brasileira, derrubada com o suor de muitas batalhas das heroínas de ontem e de hoje.
A exploração sexual da mulher, acompanhada da exploração no trabalho, da humilhação doméstica, das agressões cometidas sob o manto da impunidade tudo isto constitui o corolário de uma radiografia que deve ser varrida do mapa imediatamente e que deve ser cominada na categoria dos delitos graves, hediondos até, praticados contra frações da Humanidade de uma relevância sem par na construção ou edificação dos nossos templos de sobrevivência e de convivência. Originalmente o Dia Internacional da Mulher foi concebido como significado de protesto, empalmado por valorosas tecelãs que fizeram valer a força dos seus gritos contra a opressão de nascentes impérios convertidos depois em reprodutores do capitalismo mais selvagem de que se tem conhecimento ou notícia na fase hodierna. Tudo isto explica porque milhares de mulheres reagem com desdém às flores que lhe são ofertadas pelos incautos ou pelos beletristas de ocasião. É que, para elas, a vida nunca foi fácil. E o dia a dia é só de luta, quando não de choro, por alguma perda sofrida no contexto da resistência ensaiada.
Homenagear a Mulher pelo Oito de Março não é só sobre decantar a sua beleza incomensurável, endeusá-la pelos atributos que lhe são inerentes e que são ostensivamente expostos, de permeio aos sulcos e faces vincadas por sofrimento contido no choro solitário, tendo o travesseiro como testemunha muda das maldades impostas e das violências cometidas em carne viva. Que sejam menos árduas e dolorosas as batalhas atuais das Mulheres, que cada vez mais homens sejam parceiros delas com sinceridade, sem nenhum laivo de competitividade ou opressão. Que nos miremos homens nos exemplos das mulheres de Atenas, que são as Mulheres do mundo inteiro hoje. E que elas possam aceitar flores sem temer espinhos e rir seus risos de deusas que realmente são felizes!
Nonato Guedes