Conhecido pelas suas posições polêmicas mas destemidas, o ator Zé de Abreu, que se auto-proclamou Presidente da República e contou com a marota solidariedade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por enquanto cumprindo pena na Polícia Federal em Curitiba, proporcionou através das redes sociais uma candente lição aos que se julgam donos do Brasil, particularmente ao presidente Jair Bolsonaro e aos seus filhos, que aprontam todas se é que me faço entender. O País não é de vocês, deblaterou Zé, num desses momentos em que o sujeito é fulminado pelo estalo de Vieira, aquele momento brilhante em que se diz a frase certa, histórica e definitiva.
A advertência de Zé de Abreu é não apenas oportuna é imprescindível mesmo. É uma espécie de antídoto ao poder absoluto de que se acham investidos os Bolsonaro desde que o pai, um outsider da política, deslumbrou-se com a vitória para presidente e, sobretudo, com a derrota infligida ao PT e a outros P que gravitam no horizonte desta terra. O governo que foi ungido nas urnas tem sido pródigo em cometer absurdos, impropriedades e em apelar para a intolerância. Mete a colher em assuntos que não compete ao Estado legislar, como ideologia de gênero. Ao mesmo tempo, assiste de braços cruzados à escalada sem precedentes da violência no País. O pacote anticrime concebido pelo ministro Sergio Moro até prova em contrário uma figura séria não consegue avançar. Aliás, pouca coisa avança no governo Bolsonaro, que é atrapalhado diariamente pelos próprios recuos, pelos desmentidos e pela plantação de fake News a inundar as redes sociais.
Já se disse que o presidente tuíta mais do que governa. Com tantos e inúmeros desafios diários, com a repetição de tragédias de Brumadinho a Suzano, o governo incentiva o ódio e a violência de forma ostensiva, nas cenas em que filhos do presidente aparecem ostentando armas de grosso calibre, deixando-se fotografar em exercícios grotescos de tiro ao alvo, especialidade que tem o presidente como expoente maior. Esse governo faz a festa da indústria armamentista, que vinha procurando brecha para se expandir e ganhar dinheiro. No reverso da medalha, enche de luto famílias inteiras que passaram a perder entes amados numa velocidade estonteante. A sociedade tornou-se refém de celerados e psicopatas de toda ordem, das mais variadas extrações, acometidos por uma vaga de fanatismo como nunca havia sido vista mais recentemente na história do país.
Enquanto o presidente tuíta e ministros do Supremo Tribunal Federal engalfinham-se em fogueira de vaidades com procuradores, numa porfia ensandecida, o Congresso Nacional é tomado de imobilismo no confronto com a proliferação de projetos, propostas, emendas que, em tese, objetivam oferecer à população as respostas que ela exige diuturnamente, no equacionamento de graves desafios e de gargalos que vão se tornando íntimos da conjuntura brasileira, ainda que não espelhem nem de longe o sentimento das ruas, a tal voz rouca de que falavam líderes com mais sensibilidade para o clamor popular. O David Alcolumbre e o Rodrigo Maia têm sido incapazes de formular uma agenda consensual que sinalize uma réstia de esperança para uma sociedade que está perdendo todas as ilusões.
É preciso que se diga que o Brasil que está aí não é o Brasil que queremos. A população não aprova os arreganhos de intimidação que o governo Bolsonaro expele contra professores, estudantes, jornalistas, intelectuais, artistas, representantes de movimentos sociais. O presidente que derrotou Fernando Haddad e o PT governa de costas para o Brasil. Não percorre Estados nem regiões, não procura se informar sobre as carências do povo. É um governo enclausurado numa sala dotada da parafernália de equipamentos digitais, de onde emanam as estultices do dia a dia do poder, com os pseudo-donos desse pudê professando cânticos de idolatria e apologia a armas. Nesse torvelinho peripatético, tenta-se empurrar goela abaixo da Câmara e do Senado uma reforma da Previdência que não é discutida seriamente com a sociedade. Este é um exemplo emblemático da onda de terrorismo que o governo Bolsonaro espalha, ao invés de transmitir esperança e alento. Diz-se que há pessimistas demais no País. Quanta baboseira! O que não há é governo e nem perspectiva de futuro. É possível decorar ou alguém quer que se desenhe essa radiografia?
Nonato Guedes