Num encontro em Londres, encantado com o prestígio do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o então presidente dos EUA, Barack Obama, chamou-o de político mais popular do mundo e apelidou-o de o cara. Isto se deu em abril de 2009 numa reunião do G-20 na capital da Inglaterra. Registros históricos mostram, contudo, que entre os homólogos americanos com quem conviveu, quando presidente da República, Lula teve melhor relação, curiosamente, com George W. Bush, republicano, a partir de 2001, do que com o democrata Obama, que também monopolizava a mídia mundial por ser o primeiro negro a ascender ao comando da maior potência internacional. O comportamento de Lula na relação com dirigentes americanos está vindo à tona por causa da reunião calorosa entre o atual presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o presidente dos EUA, Donald Trump, ontem, ao pé da lareira, na Casa Branca, em Washington.
Barack Obama recebeu Lula, visivelmente impressionado, na Casa Branca, no seu primeiro ano de mandato. O que poucos sabem é que a relação entre eles azedou depois que o presidente dos Estados Unidos vetou um acordo de troca de combustíveis nucleares para o Irã qie era mediado pelo Brasil e pelo Iraque, dentro da perspectiva de obterem efeitos colaterais produtivos. Em 2015, o chanceler Celso Amorim, que atuou como ministro das Relações Exteriores do governo de Lula, confessou que o líder petista se sentiu traído por Obama, o que afetou o bom andamento da convivência diplomática entre as nações, inobstante não ter havido rompimento.
Nos últimos tempos, com Obama já fora do poder e andando pelo mundo para fazer palestras, em que é fustigado sobre o Obamacare, um programa de saúde controverso e que enfrentou oposição cerrada no Congresso dos Estados Unidos, chegou a ser cogitada uma visita do marido de Michelle ao ex-presidente Lula na cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde está recolhido. Mas a ideia não foi levada adiante, inclusive, por causa das restrições impostas pelas autoridades policiais a visitas ao ex-presidente, que recentemente chegou a ser liberado apenas numa situação emergencial, para ir ao velório de um neto, em São Paulo, que morreu vítima de meningite meningocócica. Os experts em diplomacia destacam que, embora não hostilizasse Obama nem os Estados Unidos, Lula investiu numa política externa que privilegiava países pobres da África e regimes como os de Cuba e Venezuela, além de apostar fichas no Mercosul. Os governos dele chegaram a socorrer financeiramente algumas nações, depois que o Brasil resgatou a monstruosa dívida que vinha acumulando com o Fundo Monetário Internacional.
Lula insistia, na sua retórica, em pregar um sistema de governança global mais democrático, alegando que os processos decisórios não podiam continuar concentrados nas mãos de poucos, ignorando-se as aspirações dos países em desenvolvimento e das grandes economias emergentes. Lutou, incessantemente, para que o Brasil fosse contemplado com um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Em 2009, ao receber em Brasília o primeiro-ministro Gordon Brown, do Reino Unido, Lula afirmou que a crise econômica internacional fora causada por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis que antes pareciam saber de tudo e agora demonstram não saber de nada. Um jornalista britânico perguntou, na coletiva, se não havia um viés ideológico na declaração. Não existe nenhum viés ideológico. Existe a constatação de um fato. Acompanhando os índices econômicos e de desemprego, o que percebemos é que, mais uma vez, grande parte dos pobres do mundo, que ainda não estavam sequer participando do desenvolvimento causado pela globalização, são as primeiras vítimas. Vejo o preconceito que se estabelece contra imigrantes nos países mais desenvolvidos, respondeu Lula.
No discurso na Assembleia da ONU em setembro de 2008, Luiz Inácio Lula da Silva foi taxativo: O Muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida como a possibilidade de construir um mundo de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas é triste constatar que outros murros foram se construindo e com enorme velocidade. Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas e até fascistas, que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados. Um suposto nacionalismo populista, que alguns pretendem identificar e criticar no Sul do mundo, é praticado sem constrangimento em países ricos. As crises financeira, alimentar, energética, ambiental e migratória, para não falar das ameaças à paz em tantas regiões demonstram que o sistema multilateral deve se adequar aos desafios do século 21. Aos poucos vai se descartando o velho alinhamento conformista dos países do Sul aos centros tradicionais.
Nonato Guedes