Três meses depois de deixar a presidência da República e passar a faixa a Jair Bolsonaro, o emedebista Michel Temer dormiu, ontem, na prisão, no Rio, após o juiz Marcelo Bretas decretar a sua detenção no âmbito da Operação Descontaminação. Temer é acusado, juntamente com o ex-ministro de Minas e Energia Wellington Moreira Franco, também preso, de receber propinas de obras relacionadas à Usina Nuclear Angra 3 no Rio de Janeiro. Titular da Sétima Vara Federal Criminal, Marcelo Bretas referiu-se às operações Radioatividade, Prypryat e Irmandade como desdobramentos da Lava Jato e que investigam pagamentos ilícitos a políticos durante a construção da usina nuclear.
A tese do Ministério Público sustenta que Temer liderou uma organização criminosa que durante quarenta anos recebeu vantagens indevidas por meio de contratos envolvendo órgãos públicos e empresas estatais. Segundo os procuradores, foram prometidos, pagos ou desviados para a organização mais de R$ 1,8 bilhão. O rastro de boa parte do dinheiro, contudo, ainda não foi identificado pelos investigadores. A Justiça Federal também determinou as prisões preventivas de João Baptista de Lima Filho, conhecido como coronel Lima, amigo do ex-presidente, da esposa do coronel, Maria Rita Fratezzi e mais seis pessoas. Na investigação são apurados crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, em razão de possíveis pagamentos ilícitos feitos por determinação do empresário José Antunes Sobrinho, da empresa de engenharia Engevix, para o grupo criminoso supostamente liderado por Temer, bem como de possíveis desvios de recursos da Eletronuclear para empresas indicadas pelo referido grupo.
Temer é o segundo ex-presidente da República preso na história recente do país o outro é Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que está recolhido à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Temer foi vice de Dilma Rousseff nas duas eleições a que ela concorreu, em aliança com o PMDB-MDB. Na segunda gestão de Dilma, iniciada em 2015, Temer foi acusado pelo PT e por Dilma de conspirar para a sua derrubada, de tal sorte que as articulações resultaram no impeachment dela e na ascensão dele. Fui vítima de um golpe, cujo expoente maior, nos bastidores, foi Eduardo Cunha, desabafou Dilma, referindo-se ao ex-presidente da Câmara Federal que está preso no bojo da Operação Lava-Jato. As denúncias contra Temer eclodiram no final do mandato restante que ele empalmou. A defesa do ex-presidente ingressou com pedido de habeas-corpus no Tribunal Regional Federal da Segunda Região, ainda ontem. Temer ficará preso na superintendência da PF no Rio, com o mesmo tratamento dado a Lula, preso em Curitiba desde abril de 2018. Moreira Franco foi para Batalhão da PM onde estão dois outros ex-governadores do Rio, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.
A operação deflagrada ontem teve como foco um contrato firmado entre a Eletronuclear e as empresas Argeplan, do coronel Lima, AF Consult e Engevix. A delação de José Antunes Sobrinho, executivo da Engevix, foi um ponto de partida para as investigações. O Ministério Público informou que as empresas contratadas não tinham qualificação para executar o projeto de engenharia da usina nuclear de Angra 3. Por isso, subcontratam a Engevix, em troca do pagamento de cerca de R$ 1 milhão em propina em benefício do ex-presidente. Moreira Franco, à época ministro da Secretaria de Aviação Civil, teria ajudado a viabilizar o pagamento da propina, pensando em formatos para cobrir as atividades ilícitas. A Alumi, que fez o repasse para a empresa do coronel Lima, estava envolvida em um projeto no aeroporto de Brasília. Os investigadores disseram ter encontrado um dos destinos da propina oriunda do contrato de Angra 3: uma reforma na casa de Maristela Temer, filha do ex-presidente. Segundo o Ministério Público, além de administrar as obras, o coronel Lima empregou na reforma vantagens indevidas recebidas pelo grupo criminoso, em um ato de lavagem de dinheiro.
Nonato Guedes