As cassações de mandatos e direitos políticos de parlamentares e outros ativistas sociais por parte da ditadura militar instaurada em 31 de março de 1964 no país provocaram polêmicas acirradas na Paraíba em torno de responsabilidades ou envolvimento de agentes de expressão que estavam no poder. Último governador eleito em plena vigência do regime que durou até 1985 e que completará 55 anos esta semana, João Agripino Filho foi tido como mentor de algumas cassações, devido ao trânsito privilegiado nas esferas centrais em Brasília. A este repórter, disse que, na verdade, conseguira evitar a degola de muitos dos que figuravam no índex, não tendo poderes plenipotenciários para barrar punições injustas ou inexplicáveis.
Seu filho, João Agripino de Vasconcelos Maia (João Neto), que foi deputado federal constituinte e candidato a governador da Paraíba em 1990, reagiu com veemência a insinuações do historiador José Octávio de Arruda Melo de que o pai teve a ver com todas as cassações. Quando não as promoveu diretamente, ficou calado. Nada foi feito sem a anuência de João Agripino, proclamou José Octávio. Além de José Octávio, os ex-deputados José Joffilly e Antônio Vital do Rêgo fizeram insinuações nessa linha. João Neto disse que não iria permitir que maculassem a memória do pai com fatos mentirosos ou que distorçam a realidade. Asseverou que, pela sua conduta pessoal em incontáveis episódios da sua vida pública, Agripino seria incapaz de pedir a cassação de quem quer que fosse, ainda que se tratasse do inimigo mais renhido.
E exemplificou: Ele ofereceu abrigo a Arthur Virgílio, líder de João Goulart no Senado, a Celso Furtado, José Medeiros, quando da iminência da prisão. Mandou soltar Luiz Travassos, presidente da União Nacional dos Estudantes, UNE, preso em João Pessoa e procurado pelo regime militar, bem como inúmeros colegas dele. Meu pai apelou ao então deputado Humberto Lucena no sentido de que moderasse seus ataques ao regime, pois estavam querendo sua cabeça. Humberto foi líder do MDB na vigência da ditadura militar, implantada com apoio de segmentos da sociedade civil, e fez pronunciamentos enérgicos denunciando violações de direitos humanos, a exemplo da prática de torturas contra presos políticos.
– Certa feita, quase de madrugada, atendi uma ligação telefônica do Palácio do Planalto. Era o general Jayme Portela. Queria comunicar a João Agripino que não fora possível evitar a cassação de Newton Rique, prefeito de Campina Grande. Meu pai, com a franqueza habitual, considerou absurdo o ato. Agiu corretamente com Pedro Gondim, vítima do arbítrio, prevenindo-o da intenção dos militares em subtrair seus direitos políticos. E com a mesma autoridade que caracterizou a vida pública retilínea, disse ao general Samuel Alves Corrêa, comandante do Grupamento de Engenharia, que não demitiria os secretários Antônio Mariz, Juarez Farias e Otacílio Silveira, acusados serem contrários à ideologia da revolução relatou João Agripino Neto. Esse depoimento consta do perfil de João Agripino no livro A Fala do Poder, de autoria deste repórter.
No que diz respeito à cassação de juízes paraibanos, que teria tido a chancela do ex-governador João Agripino, João Neto foi enfático: Ele nunca escondeu de ninguém que havia encaminhado ao poder militar uma lista de onze juízes, elaborada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, com os nomes daqueles que o Tribunal entendia serem corruptos, cachaceiros e outros que tais. João Agripino foi mero intermediário, porque entendia que a Justiça devia ser expurgada dos que não faziam jus à toga. Outros depoimentos que foram eclodindo ao longo dos anos deixaram patente que Agripino, embora fosse tido como revolucionário de primeira hora, não foi subserviente aos novos donos do poder. Pelo contrário, atritou-se inúmeras vezes com chefes militares desejosos de interferir no encaminhamento de soluções para problemas inerentes à Paraíba. Tal se deu, por exemplo, na questão do jogo do bicho, que era tolerado na Paraíba e com resultados de apostas divulgados pela emissora oficial, a rádio Tabajara. Agripino foi admoestado pelo general Kandall da Fonseca, comandante do IV Exército, de que estava cometendo uma temeridade ao tolerar uma prática ilegal. Isso pode parecer desmoralização do regime, alertou, ao que Agripino redarguiu: General, joga-se nas suas barbas, aqui na jurisdição do IV Exército. E ofereceu a prova dos noves, exibindo a pule de uma aposta que seu motorista Armando havia feito, a seu pedido, numa casa lotérica na entrada do Recife. O general nunca mais tocou no assunto.
Nonato Guedes