Com a proximidade do transcurso dos 55 anos da ditadura civil-militar implantada no Brasil no dia 31 de Março de 1964, historiadores e memorialistas voltam a entrar em campo para conscientizar os setores menos esclarecidos da sociedade sobre os efeitos perversos da longa noite das trevas, que se estendeu por 21 anos, com toda sorte de arbitrariedades e violações de direitos humanos. Uma das marcas mais evocadas da ditadura foi a censura que atingiu a produção artística e controlou com pulso firme a imprensa. Os militares criaram o Conselho Superior de Censura, que fiscalizava e enviava ao Tribunal de exceção os jornalistas e meios de comunicação que burlassem as regras. Os que não seguissem as regras e ousassem fazer críticas ao país sofriam retaliação. Cunhou-se até o slogan Brasil, ame-o ou deixe-o.
Não são raras as histórias de jornalistas que viveram problemas no período. Numa visita do presidente Ernesto Geisel a Alagoas, achamos de colocar as manchetes no jornalismo da TV: Geisel chega a Maceió; Ratos invadem a Pajuçara. Telefonaram da polícia para Pedro Collor, então diretor do grupo, e ele nos chamou na sala e tivemos que engolir o afastamento do jornalista Joaquim Alves, que havia feito a matéria dos ratos, contou o jornalista Iremar Marinho, citando que as redações eram visitadas quase diariamente por agentes federais. Para cercear o direito dos jornalistas, foi criada em 1967 a Lei de Imprensa. Ela previa multas pesadas e até fechamento de veículos e prisão para os profissionais. A lei só foi revogada em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal. Muitos jornalistas sofreram processos com base na lei mesmo após a redemocratização. Fui processado em 1999 porque publiquei declaração de Fulano contra Beltrano. A lei de imprensa da ditadura permitia isso: punir o mensageiro, que é o jornalista, disse Mário Magalhães, jornalista e blogueiro do UOL.
Um outro alvo da censura intensa na ditadura foi a educação brasileira. O grande problema foi o controle sobre informações e ideologia, com o engessamento do currículo e da pressão sobre o cotidiano da sala de aula, sintetiza o historiador e professor da Universidade Federal de Alagoas, Luiz Sávio Almeida. As disciplinas de filosofia e sociologia foram substituídas pela de OSPB (Organização Social e Política Brasileira, caracterizado pela transmissão da ideologia do regime autoritário, exaltando o nacionalismo e o civismo dos alunos e, segundo especialistas, privilegiando o ensino de informações factuais em detrimento da reflexão e da análise) e Educação Moral e Cívica. Ao mesmo tempo, com o baixo índice de investimento na escola pública, as unidades privadas prosperaram. Na área de alfabetização a grande aposta foi no Mobral, uma resposta do regime militar ao método elaborado pelo educador Paulo Freire que ajudou a erradicar o analfabetismo no mundo na mesma época em que no Brasil foi considerado subversivo pelo governo e exilado. O Mobral foi um retumbante fracasso, conforme dados oficiais.
Os problemas também chegaram às universidades com o afastamento delas dos centros urbanos e a introdução do sistema de crédito. A intenção do regime era evitar aglomeração perto do centro, enquanto o sistema de crédito foi criado para dispersar os alunos e não fomentar grupos, resumiu o historiador e ex-vice-reitor da Fundação Educacional Jayme de Altavila, Douglas Apratto. A corrupção e a falta de transparência foram outras consequências de uma revolução que se anunciou implacável contra os abusos e foi pródiga em excessos. Coisas do Brasil!
Nonato Guedes com UOL