Declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de que não houve ditadura militar no país, já que o poder foi transferido pacificamente aos civis em 1985, aliadas a pressões de chefes e ministros militares por celebrações alusivas aos 55 anos do movimento de 1964, com transcurso previsto para o próximo domingo, dia 31, estão acirrando os ânimos e aprofundando divisões na sociedade brasileira. Ontem, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, recomendou a todos os filiados que vistam roupas de cor preta no dia 31. Estaremos de luto para repudiar o que os historiadores denominam de golpe militar de 1964 e não de movimento, justificou Lupi.
O PDT foi fundado por Leonel Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, após retornar do exílio com o fim da ditadura militar. Brizola, cunhado de João Goulart, presidente deposto em 64 numa quartelada que teve o apoio e monitoramento ostensivo dos Estados Unidos, esteve na linha de frente do denuncismo da orquestração do golpe militar que contou com apoio de segmentos civis, temerosos da implantação do comunismo. Nas eleições de 2018 o PDT lançou como candidato a presidente da República o ex-ministro Ciro Gomes, que ficou em terceiro lugar. Na Paraíba, o partido é presidido pelo deputado federal Damião Feliciano, marido da vice-governadora reeleita Lígia Feliciano.
A atmosfera de instabilidade política no país tem se agravado com a perspectiva da passagem dos 55 anos do movimento de 64 diante da militarização do governo Bolsonaro, um capitão reformado do Exército, que como deputado federal pelo Estado do Rio saudou a eclosão da intervenção em 1964 como vital para impedir que o Brasil virasse uma nova Cuba, nos tempos em que Cuba prendia as atenções após a ascensão de Fidel Castro ao poder. O cenário ficou ainda mais radicalizado quando ministros e chefes militares sugeriram celebrações nos quartéis e até em ambientes públicos, de apoio à chamada revolução, o que gerou representação da Procuradoria Geral da República no sentido de coibir tais eventos. Partidos de esquerda e outros partidos que fazem oposição declarada a Bolsonaro têm protestado contra a apologia ao regime instaurado em 64 e que produziu inúmeras cassações de mandatos, prisões ilegais, torturas e censura aos meios de comunicação e a espetáculos artísticos e culturais.
Este é o primeiro ano da celebração de 64 sob o comando de Jair Bolsonaro, alinhado e admirador incondicional dos Estados Unidos, país que visitou nos últimos dias e que já confessou ter como um dos seus ídolos o falecido general Brilhante Ustra, conhecido como notório torturador no período da repressão vigente no regime militar. Setores mais moderados das Forças Armadas em Brasília e em outros centros tentam prevenir a hipótese de confrontos motivados pela divergência em torno da realização de atos alusivos a 1964. O presidente Jair Bolsonaro, além de semear tempestades com as referências a 64, enfrenta sérios problemas para aprovar a reforma da Previdência na Câmara Federal e tem trocado farpas quase diariamente com o presidente da Casa, Rodrigo Maia, do Democratas. Este, numa última declaração a respeito, aconselhou Bolsonaro a parar de brincar de presidente e a encarar com seriedade o enfrentamento dos graves desafios nacionais.
Nonato Guedes