O fiasco do capitão reformado Jair Messias Bolsonaro como presidente da República está estampado no resumo da ópera de três meses, completados anteontem. A revista Veja, em Carta ao Leitor, comenta, apropriadamente, que há uma característica perturbadora do presidente Bolsonaro: sua inclinação para extirpar a política do espaço público. Diz a publicação: Bolsonaro não percebe, ou finge não perceber, que mesmo os governos honestos, duros no combate à corrupção, mesmo os governos éticos e implacáveis com negociatas e feirões de cargos, mesmo esses governos acima de quaisquer suspeitas fazem negociações políticas, trocam e conciliam, estabelecem um intercâmbio de interesses e projetos. Numa frase: governos sérios fazem política.
Não é o que pensa Jair. Por vocação ou deformação, ainda nas expressões de Veja, Bolsonaro acha que toda política, sem exceção, é incompatível com a moralidade pública. O resultado é que por abrir mão de um instrumento democrático o governo acumula trapalhadas em série, da política exterior à votação da reforma da Previdência, sem falar nos recuos diários que comete, em Brasília ou no Muro das Lamentações, em Israel. E o que dizer da patacoada das celebrações do aniversário do golpe militar de 64, que Bolsonaro i-do-la-tra? O presidente fez de tudo para descaracterizar o estigma da quartelada ou da ditadura, acabou fugindo para Israel e, em troca, poupou-se de acompanhar manifestações de protesto em diferentes localidades do país, nas quais reclamava-se o respeito ao primado da democracia.
Lembram da cena patética do então presidente Fernando Collor de Melo em 1992, já no limiar do impeachment, quando implorou ao povo que não o deixasse só? A reação veio na forma de um jato de água fria, constrangedor para o ex-caçador de marajás: o povo foi às ruas vestindo preto, como sinal de luto e de vergonha pelas falcatruas que começavam a pipocar da parte do entorno de um mandatário que prometera deixar a esquerda perplexa e a direita indignada. Acabou deixando a Nação envergonhada. A ojeriza de Bolsonaro à política advém, curiosamente, da própria longa carreira parlamentar que ele palmilhou em Brasília como deputado federal. Em três décadas de atuação no Congresso, nunca foi mais do que um representante do corporativismo militar e um arauto da provocação política provocação no mau sentido, no sentido estéril do termo, da qual seu convite para celebrar o aniversário da instalação da ditadura, como lembra Veja, é apenas o exemplo mais recente.
E ainda Veja: – O gosto pela agitação provocativa pode explicar seu comportamento nestes primeiros meses no Palácio do Planalto e, também, sua relação estremecida com o Congresso. Porque Bolsonaro tem se mostrado mais interessado em insuflar suas hordas extremistas, colhendo o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores, do que em governar com sobriedade, com seriedade, com eficácia politicamente, em suma. É por isso que o presidente parece se encantar com o proselitista Olavo de Carvalho, que xinga seu governo com uma coleção interminável de palavrões e ainda assim merece a distinção das homenagens públicas. Olavo de Carvalho quer fuzilar quaisquer negociações, quaisquer acordos políticos que não estejam perfeitamente alinhados com sua utopia regressiva. Trata-se de uma posição inofensiva para um ex-astrólogo que mora na Virgínia, Estados Unidos e só tem compromisso consigo mesmo, mas inaceitável para o líder de uma república democrática.
Bolsonaro tem pecado, ainda, pela carência do porte do estadista. Costuma avacalhar ministros, desqualificando a própria Damares Alves, que foi incumbida por ele de cuidar das questões da Família, embora a ex-pastora já tenha emitido sinais eloquentes de que possui pinos frouxos no cérebro. A predominância dos filhos, que segundo adversários seriam ligados a milicianos criminosos no Rio, mas que têm um poder de ingerência impressionante na administração pública, é outro fator, senão de desestabilização, com certeza de desagregação do governo e da sua base política. O próprio presidente é dado a galhofas, em geral de mau gosto, e é viciado muito mais no Twitter do que na arte de governar. Como sugere Veja, há um longo caminho pela frente e no meio, a perspectiva de que o governo mude e corrija seus erros. Mas esta não é uma aposta que se faça. Bolsonaro pode durar menos do que imagina no Palácio do Planalto.
Nonato Guedes