Quase metade dos brasileiros entrevistados por pesquisadores do Datafolha disseram desconhecer o nome e a figura do vice-presidente da República, general da reserva Hamilton Mourão, do PRTB, empossado há cem dias juntamente com o capitão reformado Jair Bolsonaro, o puxador de votos da chapa que derrotou o PT num confronto levado para o segundo turno contra o professor Fernando Haddad. É um dado até certo ponto incoerente porque Mourão, na verdade, tem destoado do figurino discreto normalmente reservado aos vices, assumiu a titularidade por cerca de quatro vezes e gosta de dar palpites sobre qualquer assunto. A mídia enfatizou bastante, aliás, o contraponto que ele faz ao presidente Bolsonaro nas posições referentes a alguns temas delicados, passando a impressão de que o general é mais liberal do que o ortodoxo capitão.
Chegou-se a dizer que o vice-presidente é o queridinho dos jornalistas que fazem a cobertura institucional do poder em Brasília, não obstante a sua formação militar. O contraponto ensaiado por Mourão ficou patente, por exemplo, no episódio do pedido para liberação do ex-presidente Lula da Silva, preso na Polícia Federal em Curitiba, a fim de ir ao velório de um irmão falecido em São Paulo. O vice-presidente da República foi enfático ao palpitar que, se dependesse dele, a permissão a Lula seria concedida, o que não foi acolhido pela Justiça. A liberação de Lula para sair da cela deu-se em outra morte, a de um neto, em São Paulo, ocorrida de forma precoce. O ex-presidente pôde juntar-sea familiares na cerimônia do adeus, mas sob fortes medidas destinadas a evitar manifestações políticas.
Na história política brasileira, há uma tradição vigente a de vice-presidentes da República acabarem se expondo e, em alguns casos, assumindo papéis de protagonismo, contrariando a lógica presidencialista de que vice é um cargo eminentemente decorativo, que, desse ponto de vista, não confere maior visibilidade a quem está no posto. No episódio da renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, o vice-presidente João Goulart, que estava na China, foi efetivado depois de uma exaustiva negociação política com o Congresso, onde havia focos de resistência à ascensão de Jango, da mesma forma como já se ensaiava o assédio das vivandeiras de quartéis ávidas por um golpe militar, que terminou acontecendo em março de 1964, embora o presidente Jair Bolsonaro tente promover um revisionismo histórico e negar, como o fez recentemente, que tenha havido uma ditadura no Brasil.
Um quiproquó do barulho deu-se quando do afastamento do presidente, marechal Arthur da Costa e Silva, acometido de trombose, no segundo período da ditadura militar que sucedeu ao período de Castello Branco. O vice de Costa e Silva era um civil, tradicional político de Minas Gerais, Pedro Aleixo, que já tinha avançado posições contestatórias à linha-dura empenhada em fazer valer o Ato Institucional número cinco, que foi avaliado por historiadores como o golpe dentro do golpe, já que oficializou cassações de mandatos políticos, fechamento do Congresso, censura à imprensa e deu poderes excepcionais suspendendo o habeas-corpus e outras garantias, o que foi um fator de estímulo para que os radicais apelassem para torturas contra presos políticos e, em outros casos, para o desaparecimento e morte de opositores do regime ditatorial.
Pedro Aleixo foi impedido de assumir a presidência da República na doença de Costa e Silva. O poder acabou sendo empalmado por uma Junta Militar formada pelos três ministros representantes das Forças Armadas, um deles o paraibano Aurélio de Lyra Tavares, que comandava a pasta do Exército. Essa Junta acabou sendo apelidada pelo deputado Ulysses Guimarães, presidente nacional da Oposição, como Junta dos Três Patetas, o que agravou os sinais de radicalização nos quartéis entre os remanescentes da aventura golpista que durou até 1985, perfazendo 21 anos de ditadura. Ulysses não chegou a ser cassado ou punido mais gravemente devido à sua condição de dirigente oposicionista, o que redundaria em desgaste internacional para o regime brasileiro. Mas cabeças rolaram dentro do então MDB, o chamado partido consentido de oposição, que duelava com a Arena, da base oficial. Ultimamente, nos governos do petista Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente, José Alencar, empresário mineiro bem sucedido, ganhou fama e notoriedade por praguejar com insistência contra as altas taxas de juros praticadas no país. A crítica que ele formulava dirigia-se, porém, principalmente, à equipe técnica-econômica do governo, poupando-se o presidente Lula de maior bombardeio. Não há registro de desentendimentos entre Lula e Alencar pelo contrário, os relatos são de convivência harmoniosa. Quanto a Mourão, seu destino é uma incógnita porque o próprio governo do capitão Bolsonaro é uma incógnita, diante da perda visível de substância, por falta de iniciativas concretas, e de apoio popular.
Nonato Guedes