Ontem foi o dia do jornalista e, em meio a confetes que trocamos, entre colegas e pessoas de outras áreas, veio-me à lembrança uma fase marcante da minha trajetória que foi atuar por sete anos como correspondente do jornal O Estado de São Paulo, da influente família Mesquita, concorrente dos Frias, da Folha de São Paulo. Foram sete anos de carteira assinada como contratado da Agência Estado, que redistribuía matérias do exterior e de todo o país para um sem número de jornais e revistas. Lembro, entre tantas, de uma matéria com dom José Maria Pires, rebatendo o ex-ministro Ernani Sátyro que acusava a Igreja de fomentar a subversão através das comunidades eclesiais de base. O texto repercutiu com manchete de primeira página na Tribuna da Imprensa, do irreverente Hélio Fernandes, que, ao invés de se referir a dom José chamou-o de Dom Pelé, que era um dos seus apelidos. O seu preferido era Dom Zumbi, pela identificação que tinha com a luta do quilombo de Palmares.
Evidente que desde Cajazeiras até Brasília tive várias faculdades de jornalismo. Comecei na Difusora Rádio Cajazeiras, depois fui para a rádio Alto Piranhas (que era da diocese na época). E em Cajazeiras mesmo conciliei a função de repórter de dois jornais o Correio da Paraíba, que tinha sucursal, dirigida por Saulo Mendes Sobreira, e a Tribuna do Ceará, de Fortaleza, da qual fui correspondente por instância de Melquidezec Cavalcanti, um jornalista que acabou se bandeando para a vida de agropecuarista nos domínios de Lavras da Mangabeira, perto de Cajazeiras, depois de encantar-se com uma proprietária rural daquela região, abandonando o jornalismo em definitivo. Emplaquei manchetes tanto no Correio como na Tribuna em primeira página. Vim para João Pessoa em junho de 1978, onde assumi na rádio e no jornal Correio sob as direções de Aluízio Moura, João Manoel de Carvalho, Otinaldo Lourenço e Erialdo Pereira de Souza.
Em pouco tempo de permanência em João Pessoa eu residia na pensão de Seu Lucas, na rua da Areia, onde logo cedinho chegavam os ônibus da Viação Andorinha e da Viação Gaivota, procedentes da minha linda Cajazeiras, como dizia o saudoso Zeilto Trajano fui chamado para ser correspondente de O Estado de S. Paulo, substituindo ao querido Antônio Barreto Neto, Barretinho, um dos melhores críticos de cinema que já conheci na imprensa brasileira. Era muita responsabilidade para quem ainda estava tentando se firmar em João Pessoa, no Correio da Paraíba. Foi o que ponderei a Carlos Garcia, chefe da sucursal do Estadão no Recife, que tinha um caráter regional, já que abarcava Estados como a Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, Piauí. Não me considerava preparado para o desafio e foi isto que disse a Garcia numa conversa na orla marítima, presente o mago Erialdo Pereira, que era correspondente do Jornal do Brasil. Perdi meu tempo com a conversa, pois a decisão já fora tomada. Fui a Recife para cumprir duas pautas, em dois dias no primeiro, entrevistei Roberto Magalhães no aeroporto, no dia seguinte fui à casa do senador Marcos Freire em Boa Viagem, dividindo espaço com grandes nomes da imprensa nacional representados no Recife. Passei no teste e voltei a João Pessoa, sendo agraciado com a colocação de um aparelho de telex na casa onde morava com meus pais em Jaguaribe. De madrugada, o telex vomitava pautas elaboradas pela Produção do Estadão em São Paulo. Eu deixava para ler as pautas no café da manhã.
Fiz reportagens sobre a luta dos índios pela posse da terra em Baía da Traição, produzi matérias sobre problemas criados por autoridades policiais contra a Igreja de dom José e dom Marcelo Carvalheira, cobri o acidente automobilístico que vitimou o general Antônio Bandeira e que chegou a ser confundido com sabotagem; entrevistei ministros, personalidades da República, generais, senadores, líderes sindicais, advogados ilustres e famosos como Raymundo Faoro. Ganhei espaço privilegiado na cobertura de acontecimentos como a morte do ministro José Américo de Almeida. Por duas ou três vezes, figuras locais de governos distintos tentaram desmentir matérias que enviei e que tinham repercussão nos centros de poder, em Brasília. Ou em Nova York. O jornal sempre confiou no correspondente. Publicava os desmentidos mas acompanhados de nota da redação, com a manutenção da versão do correspondente. O Estadão valorizava de verdade os seus profissionais e foram incontáveis as demonstrações de apoio e prestígio que tive no bravo matutino dos Mesquita. Saí na fase de contenção de despesas, no bojo de grave crise que acometeu as empresas do grupo e fui tratado com dignidade e profissionalismo até o último dia. Ser repórter do Estadão equivaleu, para mim, a ter feito o curso de Comunicação que não fiz. Com direito a manual e a pautas impagáveis que ainda hoje guardo nos meus arquivos. E um detalhe: sem nunca ter ido à sede do jornal, que no período em que estive correspondente, ficava na Major Quedinho, em São Paulo. Depois que deixei o jornal, fui a São Paulo várias vezes mas em nenhuma delas abalei-me a conhecer a redação do Estadão. Talvez fosse superstição, ou banzo, sei lá. Sei que tenho como doces lembranças as matérias que assinei e os elogios que recebi nas mensagens por telex, quer da Central em São Paulo, quer da Sucursal tão bem dirigida por Carlos Garcia no Recife. Grandes tempos!
Nonato Guedes