O presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem deixado transpirar nas esferas de poder em Brasília a revelação de que pode abrir mão de concorrer à reeleição para o cargo, mas, ao mesmo tempo, faz jogo duplo, como a insinuação, nas últimas horas, de que a pressão está muito forte para que ele se candidate em 2022. Bolsonaro chegou a prometer se empenhar nos bastidores pelo fim da reeleição, com a condição de ser aprovada uma reforma política que oxigene a atividade e as próprias agremiações, escoimando-as de vícios e de instrumentos de barganha de que se utilizam atualmente para anabolizar a estrutura de partidos e a dimensão de lideranças. A esse respeito não convém esquecer as denúncias que pipocaram na mídia sobre a existência de um laranjal político, em partidos como o PSL, a que o presidente é filiado, pelo qual candidatos e candidatas a mandatos legislativos teriam sido beneficiados com dinheiro do Fundo Partidário, mesmo sem ter condições de saírem vitoriosos no pleito.
O instituto da reeleição foi adotado em 1998, na vigência do primeiro mandato do presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, que dispôs de um segundo mandato nas urnas. O processo para viabilizar a reeleição foi bastante criticado e enfrentou denúncias de compra de votos de parlamentares por parte das lideranças que faziam a ponte política oficial na Câmara e no Senado. Fernando Henrique, em reiterados depoimentos, eximiu-se de qualquer responsabilidade ou participação direta em eventuais negociatas que teriam sido postas em prática. De acordo com ele, o assunto foi tratado, diretamente, no âmbito das bancadas e dos líderes de partidos. Não se considerou, pessoalmente, maculado quando logrou obter o segundo mandato, em cuja conclusão passou a faixa a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Fernando Henrique nunca escondeu objeções à barganha política travada entre partidos e que resultou em escândalos de gravidade como os mensalões do PSDB e do PT, este mais punido severamente pelo Supremo Tribunal Federal, onde juízes chegaram a qualificar o pagamento de mesada a parlamentares para aprovação de matérias do interesse do governo como um ponto fora da curva, na definição do ministro sergipano Carlos Ayres Britto. FHC sustentou, porém, em paralelo, a compreensão de que nenhum presidente governa sem apoio do Congresso, independente do preço a pagar, traduzido no fisiologismo, no chamado toma lá, dá cá, tão conhecido e difundido na classe política brasileira.
A reeleição em si, na forma como foi concebida, não constitui um mal grave para a democracia e a sobrevivência das instituições. O motor que originou a sua institucionalização foi a necessidade estratégica de submeter governos a avaliações ou julgamento parte do eleitorado, o que forneceria aos gestores um instrumental eficiente para corrigir rumos e aprimorar as ações prometidas em palanque. Ocorre, como se dá no Brasil, que em pouco tempo o processo tornou-se eivado de distorções aliás, já no nascedouro, como denunciaram os adversários de Fernando Henrique Cardoso. O instituto da recondução foi adaptado aos Estados e municípios, favorecendo governadores e prefeitos. Houve tentativas dentro do próprio Congresso, em esboços de reforma política, para eliminar o instituto da reeleição. O que não houve foi vontade política para extinguir a recondução pelo voto.
A reforma política a que tem aludido o presidente Bolsonaro é um experimento igualmente tentado por várias vezes, em termos de aplicabilidade, no sistema que rege a vida das organizações partidárias e o comportamento dos líderes políticos que se candidatam em disputas majoritárias e proporcionais. Ao longo dos anos, penduricalhos têm sido introduzidos, a exemplo da cláusula de barreira, que exige um percentual expressivo de representatividade parlamentar para o registro de partidos em condições de disputar eleições, inclusive, presidenciais. Em regra, especialistas definem essas mudanças como cosméticas, sem maior profundidade e, portanto, sem maior utilidade para funcionamento efetivo da democracia. As coligações partidárias também sofreram mutações ao longo dos anos.
Agora que a questão está sendo recolocada em pauta pelo presidente Jair Bolsonaro cabe a indagação: quem está no poder tem vontade de entregar o poder ao adversário? Isto será respondido com o tempo, à medida que o próprio governo avançar de forma mais concreta nas metas a que se proporá e que ainda estão confusas para grande parte do eleitorado ou da sociedade brasileira.
Nonato Guedes