A vitória de Fernando Collor de Mello como presidente da República, em segundo turno, derrotando Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na primeira eleição ao Planalto findo o ciclo da ditadura militar, está completando 30 anos agora, em 2019. Collor havia se destacado como governador de Alagoas pela fama de caçador de marajás, em virtude da briga que comprou com funcionários públicos privilegiados que ganhavam altos salários, aplicando o efeito cascata de vantagens adquiridas. Isto deu popularidade e, de certa forma, credibilidade a Collor, que se candidatou pelo Partido da Reconstrução Nacional. Elegeu-se derrotando 20 candidatos, entre os quais Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. Em 1992, Collor sofreu um processo de impeachment que o apeou do cargo, com base em denúncias de conluio com o esquema de corrupção chefiado por Paulo César Cavalcante de Farias, o PC Farias, que fora tesoureiro da campanha do jovem político.
No segundo turno das eleições presidenciais de 89, Collor foi eleito com 35.089.998 votos contra 31.076.364 de Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente tinha 41 anos de idade quando tomou posse na suprema magistratura da Nação. O historiador Jaime Klintowitz, no esforço para explicar o fenômeno Collor, definiu que ele conquistou apoios e sufrágios por se apresentar como o novo, enquanto os concorrentes eram rostos manjados do passado. No tempero da salada havia, ainda, o legado impopular de José Sarney, em cujo governo reinavam a politicagem explícita, a corrupção e a hiperinflação. Collor, em tom calculadamente inflamado, qualificou Sarney como o maior batedor de carteira da República.
O eleitor não sabia direito quem era Collor. Jovem, bonitão, ele se apresentava como novidade, estranho à política tradicional e sem rabo preso com os partidos. Nenhum outro soube usar com tanta eficiência a propaganda na televisão. Ele tinha até a assessoria permanente de um instituto de pesquisas, o que não era comum. Nascido no Rio e tendo vivido em Brasília, Fernando era filho de Arnon de Mello, governador e senador por Alagoas. Prefeito biônico de Maceió, capital de Alagoas, Collor se elegeu deputado federal pelo PDS e, posteriormente, como governador do Estado. No Carnaval de 1989, o combate à corrupção foi tema do enredo de quatro escolas de samba cariocas e Collor circulou pela pista do sambódromo, fazendo o sinal de vitória com os dedos. Foi muito aplaudido. Em 30 de março de 89, Collor entrou em cadeia nacional de televisão, denunciou a crise moral e bateu pesado nos coronéis, nos marajás, em José Sarney. Na semana seguinte já liderava as pesquisas de intenção de votos. Em maio, disparou na preferência do eleitorado e, por um momento, pareceu que iria levar o mandato de presidente no primeiro turno, o que não aconteceu.
O segundo turno contra Lula adquiriu aspecto plebiscitário, o que favoreceu Collor, ainda conforme Klintowitz. Lula era o sapo barbudo, nas palavras de Leonel Brizola, difícil de engolir. Todos aqueles assustados com o esquerdismo destemperado do PT daqueles tempos correram para os braços do caçador de marajás. Uma quantidade expressiva de brasileiros acabou por entregar a chave do cofre ao ladrão, observa Jaime Klintowitz, acrescentando: Mas isso só se soube mais tarde. Às vésperas do segundo turno das eleições de 89, Collor fez um anúncio enigmático: Em três meses quero a direita indignada e a esquerda perplexa. Colocado para fora do poder dois anos depois da posse, Fernando Collor de Mello acabou deixando o país perplexo e indignado com as roubalheiras em seu governo.
A frustração com as imoralidades praticadas no governo de Fernando Collor foi o combustível que alimentou a mobilização de manifestantes pelo impeachment do presidente da República. Jovens estudantes chamados de cara-pintadas, com as cores da bandeira do Brasil, tomaram as ruas entoando o Fora Collor. A pressão popular sensibilizou parlamentares na Câmara e no Senado, instaurando-se um processo de impeachment que retirou o poder das mãos de Collor, sendo confiado ao vice-presidente Itamar Franco, ex-senador e ex-governador por Minas Gerais e tido como um político honesto, profundamente ético. O relator final do processo de impeachment de Collor foi o senador paraibano Antônio Mariz, do então PMDB, que chegou a ser enfático: Se eu tivesse em mãos elementos comprovando a inocência de Collor, não hesitaria em pedir sua absolvição. Mas o que consta dos autos é estarrecedor e profundamente comprometedor para a imagem do presidente da República. Collor passou uma temporada nos Estados Unidos até voltar ao Brasil e esperar pela retomada dos direitos políticos, logrando eleger-se senador por Alagoas e ultimamente figurando, inclusive, na Operação Lava-Jato, que apura corrupção nas esferas de poder nacionais.
Nonato Guedes