Há um estado de ansiedade da parte do governo do presidente Jair Bolsonaro em levar a efeito a reforma da Previdência Social, que é considerada prioridade máxima por se tratar da Mãe de todas as reformas, como tem sido insinuado pelo próprio mandatário e por ministros da área técnica do governo. No afã de tornar a nova Previdência realidade, o governo tem mobilizado seus líderes no Congresso para um esforço concentrado e uma atuação permanente sobre o tema previdenciário, que em comissões permanentes como a CCJ, que opina pela constitucionalidade de matérias controversas, fura a fila e ganha posição de destaque, face à urgência urgentíssima de que se reveste a aprovação.
Bolsonaro tem motivos de sobra para insistir na agilização da formatação da reforma e, por extensão, na sua votação e aprovação. Um desses motivos é que se lograr aprovar uma reforma profunda terá dado um baile em diferentes governos, inclusive os do Partido dos Trabalhadores, que não avançaram concretamente nas mudanças reclamadas. O consenso não é fácil porque a Previdência Social é uma espécie de caixa-preta no Brasil, abarcando penduricalhos e vantagens discriminatórias que ferem o princípio da isonomia reivindicado por categorias sociais nas atuais discussões.
Tome-se o exemplo flagrante da forte resistência corporativista que se manifesta em esferas militares, nas quais se reclama abertamente um tratamento diferenciado para a casta, certamente sob a influência da ascensão ao poder de um capitão reformado do Exército, da presença de um general reformado na vice-presidência da República e no desfile de militares de patentes variadas em ministérios estratégicos na Esplanada, em Brasília. Até na Comunicação, que, de ordinário, é uma área sensível para desempenho e avaliação de qualquer governo, a gestão Bolsonaro apelou para um militar com jeito de diplomata, que fornece a informação enxuta, essencial, sem os floreios ou ornamentos retóricos de que abusam os que são do ramo propriamente dito.
Nos últimos dias, na atmosfera congressual em Brasília, ganhou impulso a polêmica sobre o que deve ser votado com rapidez na Comissão de Constituição e Justiça se a proposta do orçamento impositivo ou a reforma da Previdência. Depois de muita tese concluiu-se que haverá prioridade para o texto que altera as regras de aposentadorias. O orçamento impositivo não interessa muito ao Planalto porque engessa a máquina financeira do governo e não tem o alcance popular que uma reforma bem feita da Previdência teria. Uma definição exemplar para o cenário de controvérsia foi dada por um político da base governista: enquanto o governo investe na reforma da Previdência, os deputados querem mandar em verba (daí o interesse despertado pelo orçamento impositivo).
A política é a arte de conciliar conflitos e, naturalmente, chegar-se-á breve ao entendimento mínimo sobre a definição da pauta ou do cronograma das votações em Brasília. O presidente Jair Bolsonaro ainda tem muita bala na agulha para gastar em intermináveis conversas com senadores, deputados federais, representantes de categorias sociais, governadores de Estados e prefeitos municipais. O governo sabe que a mexida na Previdência deflagra um caleidoscópio de opiniões, pipocando versões dos mais variados especialistas ou experts no estudo do modelo ideal para o Brasil. Há parlamentares debruçados na analogia com modelos de reforma implantados em diferentes países, num esforço para encaixar o Brasil na metodologia mais vantajosa.
O que não se pode perder de vista, em meio ao contencioso do debate da reforma da Previdência, é a necessidade de abrir a caixa-preta do sistema que tem vigorado ao longo de décadas no país. Em relação a esse ponto, parlamentares do governo e da oposição deveriam se empenhar ao máximo pela transparência, para a informação mais completa possível à sociedade, com esclarecimento de pontos duvidosos ou de difícil harmonização. Não é uma questão de patrocinar revanchismo contra governos passados, sejam de que origem forem, mas de escancarar as facetas do sistema previdenciário brasileiro. Sem isto, qualquer reforma que vier a ser feita será cosmética, porque não vai encarar com firmeza os gargalos que constituem fontes geradoras de déficit acumulado no histórico da Seguridade Social no Brasil.
Nonato Guedes