Paulo Freire, o notável educador da Pedagogia do Oprimido, cujos ensinamentos estão sendo banidos da rede pública educacional e cujos métodos de aprendizagem são execrados, abominados mesmo, pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seus filhos, viveu no golpe militar de 1964 um desses episódios que só acontecem no Brasil, nas suas próprias palavras. Perseguido pelos militares, estava em Brasília implementando os círculos de cultura do Plano Nacional de Educação. Ficou, então, na casa de um amigo, Luiz Bronzeado, deputado federal da situação, conforme definiu. Na verdade, Luiz Araújo Bronzeado, natural da Paraíba, era deputado federal pelo nosso Estado, mas filiado à UDN. Apoiou o movimento militar de 64, que Freire considerava golpe, e chegou a ser secretário de Segurança no governo de Tarcísio Burity (79-83), Procurador-Geral de Justiça e desembargador do TJ paraibano. Nunca escondeu suas posições contra o comunismo. Morreu a sete de novembro de 2002.
Tive o prazer de conhecer e entrevistar, várias vezes, o doutor Bronzeado, quer como parlamentar, quer como secretário de Estado ou magistrado. Uma vez no Tribunal de Justiça, soube afastar convicções políticas ou ideológicas para se entregar ao múnus de juiz ou de magistrado. O que não tive foi o privilégio de conhecer ou entrevistar o educador Paulo Freire, cujo livro intitulado Pedagogia do Oprimido li quando tinha pouco mais de dez anos e era aluno do colégio estadual de Cajazeiras, dirigido pelo monsenhor Vicente Freitas, extremamente conservador. O deputado Flávio Bolsonaro, filho do presidente Bolsonaro, disse que não sabia quem era Paulo Freire e, por isso, não o achava relevante como pensador ou intelectual que deva ser citado na Educação ministrada no país. Santa ignorância, meu Deus! Quanta estupidez! Como estamos à mercê de mentes distorcidas, desinformadas, plenamente vazias, no coração do poder onde tudo se decide.
Paulo Reglus Neves Freire era filho de uma família de classe média do Recife. Em casa, recebeu alfabetização dos pais, rabiscando com graveto, no chão de terra do quintal, palavras que faziam parte de seu cotidiano e que não eram, portanto, descoladas de suas experiências, como assinala Virgínia Bessa em ensaio sobre a figura. Em Jaboatão, Paulo Freire passou por privações. Quando tinha 31 anos, morreu-lhe o pai. As dificuldades materiais somaram-se à fome, mas consegue se formar como educador. É definido como o pensador brasileiro mais festejado no exterior. Na praça do bairro de Vastertop, em Estocolmo, capital da Suécia, Paulo Freire figura ao lado de contemporâneos tão célebres e importantes para a humanidade quanto ele: o poeta chileno Pablo Neruda, a ativista negra americana Ângela Davis, o líder de massas chinês Mao-Tsé Tung, as intelectuais nórdicas Sara Lidman e Elise Otosson-Jense, o cientista sueco Georg Borgstrom, um combatente contra a fome. A obra, esculpida em pedra por uma artista sueca em forma de banco, convida os passantes a sentar na companhia de alguns dos principais personagens do século 20, cuja memória se evoca sempre que se fala em luta contra a opressão, em liberdade, em revolução.
Doutor honoris causa por 28 universidades mundo afora, Paulo Freire recebeu em 1986 o Prêmio Unesco da Educação para a Paz. Sete anos mais tarde foi indicado ao comitê que outorga, anualmente, na Noruega, o Prêmio Nobel da Paz. Dá nome a inúmeras instituições educativas e a um prêmio anual oferecido a educadores de toda a parte. Entre os premiados está ele próprio, numa entre tantas e inumeráveis homenagens, comendas e provas de reconhecimento concedidas ao professor pernambucano, criador do método e da filosofia pedagógica que revolucionaram o sistema de alfabetização em dezenas de países. Autor de mais de 40 livros, traduzidos para 28 idiomas, é o pensador brasileiro mais festejado no exterior. Paulo Freire não foi apenas educador. Interessava-se pelos problemas da Educação, que ele acreditava ser a grande arma capaz de mudar o mundo.
Nos anos 50, Paulo Freire fundou o Instituto Capibaribe, estabelecimento privado de renome no Recife ainda hoje e colaborou com diversos projetos educacionais realizados em igrejas. Cercado por policiais armados, acusado de subversivo internacional, traidor de Cristo e do povo brasileiro, ele foi levado ao quartel do Exército de Olinda onde ficou preso por 75 dias. No governo Miguel Arraes plantou a semente do Movimento de Cultura Popular e coordenava o Projeto de Educação de Adultos, que popularizou o Método Paulo Freire de alfabetização, baseado em reflexões sobre a realidade de opressão. O método expandiu-se por outras regiões, criou embriões de formandos entre as classes populares. Paulo Freire foi exilado e foi nos Estados Unidos que concluiu a obra mais conhecida: Pedagogia do Oprimido. É uma pena que Bolsonaro e filhos não queiram ler nem saber da história dos personagens que realmente modelaram a história do Brasil.
Nonato Guedes