Quem historia o fato é Sebastião Nery, no livro Ninguém me contou, eu vi De Getúlio a Dilma e a narrativa apenas reforça o elenco de histórias sobre conspirações e maus presságios acerca da trajetória política de Tancredo de Almeida Neves, cuja morte completa 34 anos no domingo, 21, e que morreu nas vésperas de ser empossado presidente da República, em 1985, sendo sucedido por José Sarney, uma verdadeira reviravolta no enredo original traçado para balizar a chamada Nova República, sucedânea da ditadura militar. Sebastião Nery com a palavra:
Ela chegou com um sorriso aberto no rosto jovem e bonito, elegante, simpática, turbante na cabeça, colares, braceletes com balangandãs, joias esfuziantes nos dedos e um olhar distante, misterioso. Era dona Flávia, a mulher do presidente da Associação Brasileira de Produtores de Maçã, Mário José Batista, gauchão vermelho, com cara de terra e sol. Lembro-me bem, era 8 de março de 1985, meu aniversário. Testemunhas: Carlos Monforte, da TV Globo, Silvestre Gorgulho, do Jornal de Brasília, Milano Lopes, do Estado de São Paulo, Joaquim Mesquita, empresário de Brasília, eu e outros jornalistas convidados para a festa da maçã, que todo ano se realiza lá no Sul.
Jantávamos no belo Hotel Laje de Pedra, em Gramado, no Rio Grande do Sul. Faltava uma semana para a posse de Tancredo Neves na presidência da República. Surgiu na mesa o nome dele. Dona Flávia, diante de mim, falando sobre a magia da Bahia e outras sabedorias, ficou tensa de repente:
– Os senhores são amigos do doutor Tancredo?
– Somos, sim.
O marido, ao lado, não gostou:
– Flávia, estamos aqui na nossa festa e comemorando o aniversário do Nery, não vamos falar de coisas tristes.
Levamos um susto, Silvestre insistiu:
– Que coisas tristes?
Dona Flávia ficou corada, olhou serenamente parra o marido:
– Desculpem os senhores que são amigos dele, mas devo dar-lhes uma notícia ruim, que peço que fique aqui. Infelizmente, nosso querido doutor Tancredo não vai ser presidente, não vai assumir no dia 15. Ele vai morrer.
– Vai morrer de quê? De doença ou de um golpe? perguntei.
– Não sei o que será. Mas posse ele não tomará. Tenho rezado muito para ele e para o doutor José Sarney, que vai assumir. Há vários dias que eu já sei. Estou vendo e conferindo toda manhã. Está nos globos, mapas, cristais, cartas, búzios, em todos os meus instrumentos de trabalho, lá no escritório ao lado de nossa casa, onde os senhores estão convidados para almoçar conosco amanhã. Não sou uma profissional, não trabalho por dinheiro. É apenas um dom, uma curiosidade intelectual, recebo amigos para sessões.
Ficamos lívidos. Como se diz lá na Bahia, aquilo não era conversa para um burro carregado de louça. No dia seguinte, antes do almoço, ela nos mostrou, no vasto escritório, ao lado do casarão, seus mapas, globos, cristais, baralhos e búzios. Balançando os coloridos balangandãs, apontava cada um:
– Vejam. Está aqui. Ele não vai assumir. Não vai ser presidente.
Eu não via nada. Só via um leão enorme, rugindo e dando saltos, numa jaula de ferro, aberta em cima, no meio do gramado do jardim. Na saída, fizemos um pacto. Ninguém publicaria a história. Alguns ficaram indignados:
– Essa mulher é uma maluca.
Não era. Uma semana depois, véspera da posse, Tancredo se internou para morrer.
Nonato Guedes