Político forjado nas raízes populares, que jamais exerceu mandatos sem ir buscá-los nas urnas, o que quer dizer que tinha bastante intimidade com votos, o ex-governador da Paraíba, Wilson Leite Braga, ficou na contramão da História quando, em janeiro de 1985, votou em Paulo Maluf no colégio eleitoral, para presidente da República, contrariando a vontade da maior parte da opinião pública, que apostou fichas em Tancredo Neves e na ideia de Nova República que ele vendeu como alternativa urgente à ditadura militar, que vivia seus estertores. Braga invocou fidelidade partidária, ao PDS, a que era filiado, juntamente com Maluf, mas o PDS estava cindido com a dissidência liderada por José Sarney, que foi acolhido como vice de Tancredo e que acabou assumindo o Palácio do Planalto devido à morte de Tancredo, que completa 34 anos amanhã.
De vital adesão para a caminhada de Tancredo rumo ao colégio eleitoral foi a adesão de governadores do Nordeste que haviam sido eleitos em 1982. O processo de migração para a nau tancredista foi iniciado por Luiz Gonzaga Motta, o Totó, do Ceará, e por Roberto Magalhães, de Pernambuco, em sete de outubro de 1984. Líderes atuantes em outras regiões, como Leonel Brizola, do Rio de Janeiro, e José Richa,do Paraná, incorporaram-se à cruzada de Tancredo pela Nova República. Wilson ficou praticamente ilhado na Paraíba, de tal sorte que uma charge do jornal O Globo mostrava o presidente Figueiredo com Maluf num barco. A charge era ilustrada pela frase : Toca para a Paraíba. Era o único Estado onde Maluf encontrava abrigo para posar de candidato.
A postura de Wilson provocou uma dissidência doméstica que foi tornada pública: sua mulher, Lúcia, que depois tornou-se deputada federal constituinte, deu declarações à imprensa manifestando preferência por Tancredo, por entender que com ele haveria condições para a travessia rumo ao regime democrático, que era aspiração de grande parte da sociedade. Mas Wilson já estava embalado pela identificação xifópaga com o regime decaído. Na convenção do PDS, que escolheria o candidato para ir ao colégio eleitoral, Braga ficou com Mário Andreazza, que era ministro de uma pasta estratégica do governo federal. Estava de olho nas verbas e nas obras que o ministério de Andreazza poderia carrear para o nosso Estado em troca do seu apoio, como governador, à pretensão pessoal dele. Andreazza nem tinha chances de vitória contra Maluf e muito menos possuía a habilidade política para costurar apoios nos diferentes Estados. Chegou a cometer uma gafe que lhe tirou um voto na Paraíba o do deputado estadual Aloysio Pereira, a quem tratou como parente de figura folclórica do carnaval, a do Zé Pereira, que inspirou música bastante cantada nos salões. Aloysio, que era filho do coronel José Pereira, o mentor da República Independente de Princesa Isabel na Paraíba, não gostou da comparação, recusou a mão estendida pelo ministro para o apertoe disse, de bate-pronto, que nele não votaria.
A posição tomada por Wilson Braga na sucessão presidencial, ficando na contramão da História, tinha antecedentes de desentendimento dele com Tancredo Neves. Logo após o pleito de 1982, em que ambos foram eleitos governadores da Paraíba e de Minas Gerais, Tancredo ironizou o PDS como partido nordestino, aludindo ao fato de que a agremiação de sustentação política do regime militar só havia ganho eleições de governadores em Estados do Nordeste, onde ainda imperavam os derradeiros sinais de currais eleitorais mantidos por oligarquias tradicionais, acostumadas ao voto de cabresto, de bico de pena. O PMDB, a que Tancredo era filiado, vitoriou nos Estados mais expressivos do Produto Interno Bruto Nacional, de Minas Gerais a Goiás. Wilson, em resposta a Tancredo Neves, chamou Minas Gerais de gigolô da economia nordestina, pois suga riquezas da região e não lhe dá nada em troca.
O governador paraibano, numa declaração que foi repercutida na mídia nacional, em jornais influentes como O Globo, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Jornal do Brasil, chegou a afirmar que durante uma próxima reunião do Conselho Deliberativo da Sudene iria propor a exclusão de Minas Gerais dos quadros daquela agência de desenvolvimento. Uma parte do Estado de Minas, como se sabe, fica situada no chamado Polígono das Secas, o que justificou a aceitação da participação das Alterosas entre os Estados-membros da Sudene. A ameaça deWilson Braga, na verdade, constituiu-se em bravata ele nunca chegou a levar à frente qualquer articulação para excluir Minas da Sudene, até por saber que a tese não era simpática a outros governadores. Por outro lado, o espírito conciliador que era inseparável da personalidade do líder mineiro desarmava qualquer objeção a ele ou ao povo que representava e que é conhecido pelo espírito hospitaleiro. A posição tomada por Wilson, ficando com Maluf contra Tancredo, tisnou a sua biografia política, dentro e fora do Estado. Curiosamente, foi uma postura quase similar à do Partido dos Trabalhadores, que por radicalismo ou xiitismo, deliberou não ir ao Colégio Eleitoral. A diferença foi que o PT não apoiou oficialmente Tancredo, mas nem de longe insinuou simpatia pela candidatura de Paulo Maluf, que foi recebido na Paraíba de braços abertos por Wilson Braga.
Nonato Guedes