As torcidas anti-PT e pró-Bolsonaro entram em campo, passada a Semana Santa, para se engalfinhar em novo Fla X Flu político, tendo como pano de fundo a entrevista que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está para conceder de amanhã para quarta-feira aos jornalistas Florestan Fernandes, de El País e Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo. A entrevista de Lula, que cumpre pena de duas décadas de prisão na Superintendência da Polícia Federal, gozando de regalias que não são conferidos aos demais presos, foi autorizada pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, num aceno populista para melhorar a imagem da Corte, desgastada com a censura imposta a dois sites noticiosos na divulgação de matérias contendo denúncias sobre casos rumorosos envolvendo a intocabilidade do STF.
Os que são contra o depoimento jornalístico de Lula reclamam o mesmo direito para Fernandinho Beira-Mar, preso sob acusação de prática de atos criminosos, de violência física, e de comandar, de dentro da cela, uma organização fora-da-lei que especializou-se, também, no roubo e lavagem de dinheiro, no enriquecimento ilícito e no tráfico de drogas. Em tese, Fernandinho Beira-Mar ou qualquer outro preso na sua mesma situação, embora não com a mesma projeção na mídia, deveria ter o direito de falar a jornalistas. Há um probleminha que diferencia esse caso do de Lula e amaina a sensação de privilégio ao ex-presidente: o pedido de entrevista de Lula foi formulado pela sua defesa em várias oportunidades, e negado, exatamente porque prevaleceu a interpretação de que seria uma exceção, um favorecimento ao ex-mandatário, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula não é, como tentam fazer crer o PT e seus combalidos expoentes, um preso político. Ele é delatado em inúmeros processos, por ex-companheiros do próprio PT, como o ex-ministro Antonio Palocci, como mentor de uma organização montada para saquear o poder. Essa sentença já havia sido proferida pelo ministro Celso de Mello no julgamento do mensalão.
Lula demorou a ser preso por causa da sua projeção nacional e internacional, o que demandaria a coleta de informações comprobatórias do seu envolvimento com as maracutaias que lhe são imputadas, mas sua detenção era inevitável, diante do fato de que o ex-presidente passou a ser mencionado em delações premiadas não apenas de ex-companheiros que o ajudaram a fundar o PT, mas também de empresários e executivos de empresas consorciadas numa organização criminosa que reinou na Era Petista no país, entre as quais a Odebrecht. O PT vendeu, sobretudo lá fora, a ideia de atentado à democracia e de golpe, que teria se cristalizado duplamente na prisão de Lula e no impeachment de Dilma Rousseff, esta vista a cada semana em um país diferente, fazendo palestras e conferências sobre o Brasil com a naturalidade de quem não fez nada de mal e não sofreu a interrupção do seu mandato, acusada genericamente de pedaladas administrativas. Mas que custaram caro ao sofrido erário.
No que diz respeito ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele nunca teve apreço pela liberdade de imprensa, embora deva à liberdade de imprensa sua projeção como líder político e sua ascensão como candidato a presidente da República que se elegeu duas vezes, ainda contribuiu para eleger Dilma em 2010 e, colateralmente, influiu para a reeleição desta em 2014, nada podendo fazer quando sobreveio o impeachment em 2016 porque a própria sociedade não moveu uma palha em defesa de Dilma e seus pecadilhos. Quando presidente, convém lembrar, Lula decidiu expulsar o jornalista Larry Rohter, correspondente do jornal New York Times, que em artigo acusou o presidente brasileiro de consumir bebidas alcoólicas em excesso. O jornalista disse que esse hábito de Lula havia se tornado uma preocupação nacional. Se houve algum excesso do jornalista, houve autoritarismo de Lula e do PT ao apelar para a expulsão. O último presidente a expulsar um jornalista estrangeiro fora Garrastazu Médici no auge da ditadura militar. Rohter citou, na matéria, declarações de Leonel Brizola, receoso de que Lula estivesse destruindo os neurônios de seu cérebro.
Ainda na quota do desapreço à liberdade de imprensa, Lula insistiu, de forma obsessiva, num projeto totalitário de regulamentação da mídia, através da criação de um Conselho Nacional de Jornalistas que ficaria incumbido de exercer papel seletivo sobre matérias que deveriam ser divulgadas uma forma subliminar de restaurar a censura que foi o terror da ditadura militar. O Conselho não foi adiante e enfrentou resistência até de jornalistas simpáticos a Lula e ao PT. O então presidente não gostou e chegou a qualificar jornalistas de frouxos. Tudo isso e muito mais aconteceu. Ainda assim, Lula deve ser liberado para dar entrevistas. Vai repetir o que já se sabe, mas, na cabeça do PT, a democracia estará preservada e o PT terá acrescentado mais uma vitória à resistência contra o arbítrio. De mais a mais, num país em que o presidente Jair Bolsonaro, um capitão reformado do Exército, descumpre a Lei e passeia de moto no Guarujá sem capacete, que mal há em Lula dar entrevista para reproduzir o que já se leu em livros, jornais e revistas? Deixem o homem falar!
Nonato Guedes