Além dos desafios administrativos que enfrenta, como a participação em debates de temas nacionais que afetam os Estados, a exemplo da reforma da Previdência, o governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), faz verdadeira ginástica para exorcizar fantasmas que vieram à tona no bojo da Operação Calvário e, em paralelo, salvar a governabilidade ou, como insinuam adversários, o próprio mandato conquistado nas urnas em primeiro turno no memorável pleito de 2018. A Operação Calvário é, literalmente, uma dor de cabeça tremenda para Azevêdo, tanto porque envolve irregularidades graves com suposta conexão política-eleitoral como porque está resvalando em secretários remanescentes da gestão de Ricardo Coutinho, alguns dos quais mantidos na Era Azevêdo. A ponta de lança do esquema foi a ex-secretária Livânia Farias, que ficou presa por cerca de um mês e agora foi posta em liberdade. Dela, se diz nas rodas políticas que é uma bomba ambulante.
Há um vasto e delicado contencioso no meio do caminho do gestor socialista. Ele se empenha além da conta, na definição dos que o conhecem de perto, para não ceder a armadilhas dos adversários com vistas a romper em alto estilo com Ricardo, deflagrando uma crise que partirá ao meio o outrora coletivo girassol. No reverso da medalha, Azevêdo é premido pela própria lei a tomar medidas drásticas que, de uma forma ou de outra, batem no teto de Coutinho por vias oblíquas. Afinal, o governo é de continuidade e isto foi enfatizado à larga tanto por Azevêdo como pelo antecessor. Também popularizou-se entre os expoentes do situacionismo paraibano o mantra de que ninguém solta a mão de ninguém, que é uma exortação a juras de fidelidade ou lealdade nesses momentos difíceis. O problema é que a ex-secretária Livânia teria quebrado a corrente e soltado a mão na medida em que, supostamente, fez revelações cujo teor não foi publicizado oficialmente, mas que dá margem à suspeita de envolvimento do governo anterior com práticas não republicanas.
O que a Operação Calvário fez foi puxar o fio da meada de um esquema montado para desviar dinheiro público de setores essenciais como a Saúde para irrigar campanhas eleitorais cujos resultados favoreceram o agrupamento socialista no Estado em seguidas eleições. Esse esquema é permeado pela destinação de propinas para figurões da administração pública, conforme se depreende dos autos de sentenças emitidas por representantes da Justiça, confrontados com pilhas de papéis e de outras provas que constituiriam nitroglicerina pura. O que não está é clarificado o grau de envolvimento propriamente dito de pessoas mencionadas com a derrama injetada nos cofres do erário, bem como o nível de incestuosidade patente entre propinas e definição de resultados eleitorais, em especial ao governo do Estado, nos últimos anos. Quando Azevêdo tomou a iniciativa de decretar intervenção no Hospital de trauma e emergência Humberto Lucena o fez de forma profilática, para deter a espiral de corrupção que parecia em curso. O governador também foi enérgico ao descredenciar uma OS Organização Social, a Cruz Vermelha do Brasil, que até então era gestora da Saúde Pública da Paraíba mediante comodato ou, se quiserem, terceirização. Em nenhum momento, Azevêdo criticou ou citou Ricardo Coutinho. O diabo é que os contratos agora revogados foram firmados nas gestões do principal líder político socialista da Paraíba.
A bem da verdade, a oposição parlamentar no Estado não se articulou de forma competente para jogar o governo Azevêdo na lona, bem como não logrou atingir o calcanhar de Aquiles do ex-governador Ricardo Coutinho. Faltam à oposição votos e habilidade para montar, por exemplo, uma Comissão Parlamentar de Inquérito com conclusões devastadoras. Este é o sonho dos mais ferrenhos adversários de Azevêdo e de Ricardo, mas todo mundo sabe que às vezes é grande a distância entre a quimera e a realidade nua e crua. Por outro lado, o ex-governador Ricardo Coutinho tem aparentado estar silente em relação ao imbróglio, o que gera especulação sobre se tem bala na agulha para detonar o arsenal de acusações até então publicizado ou se está, de fato, acuado. Por enquanto, há mais achismos do que verdades concretas o que não quer dizer que o Ministério Público esteja atuando como uma fábrica produtora de factoides. Tudo que está vindo mais à tona, e o mais que vier, terá sido fruto da atuação especiosa do MP, em conexão com o Gaecco e com outros órgãos de investigação incorporados ao processo. Restam, em meio às expectativas, duas perguntas até agora sem respostas: 1) qual o verdadeiro potencial explosivo em poder de Livânia? 2) que houve, de real, para ser dispensado o concurso do advogado Solon Benevides, um dos mais brilhantes profissionais do Direito na Paraíba? A opinião pública quer saber. Tem o direito de saber.
Nonato Guedes