Amargando péssimo índice de aprovação em diferentes regiões do país, especialmente no Nordeste, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), praticamente tem riscado este pedaço do território nacional do seu roteiro de viagens. O mandatário continua emburrado com a sua falta de receptividade, e a do governo, entre os nordestinos. Parece inoculada irreversivelmente na sua cabeça a ideia de que nordestino morde, é hostil e se cadastrou como eleitor do lulopetismo. Bem, o PT de Lula, na campanha eleitoral de 2018, com a candidatura de Fernando Haddad substituindo ao ex-presidente-presidiário, foi sobejamente favorecido em termos de votos por aqui. Nas eleições para governos estaduais, houve quase um capote do PT sobre a arca de Noé improvisada em suporte a Bolsonaro, O Mito, como era apresentado pelos seus fanáticos de plantão.
Esse resultado desfavorável é amargo, ninguém vai brigar com fatos, mas não é o fim do mundo. Jamais foi surpresa para políticos e analistas que no Nordeste a prevalência da imagem de Lula da Silva é muito forte e não se abalou substancialmente nem quando pipocaram os escândalos do mensalão e do petrolão. Além das origens de Lula, fincadas na região, e da sua narrativa de retirante que saiu em pau de arara para São Paulo a fim de sobreviver, os governos dele e, em menor intensidade de Dilma, deram extraordinária prioridade ao Nordeste, até como compensação pela marginalização que as elites políticas e econômicas sulistas vinham impondo ao longo dos anos. Os governos petistas se fizeram presentes no assistencialismo do Bolsa-Família, no socorro emergencial a vítimas do período cíclico da estiagem e deram partida ao projeto de transposição das águas do rio São Francisco, apresentado como a redenção do povo sofrido.
Claro que todas essas medidas constituem obrigação dos governos e também é certo, como dois e dois são quatro, que algumas iniciativas foram herdadas de governos de outros partidos. Mas houve o mérito do ex-presidente Lula da Silva em dar sequência e, mais ainda, em imprimir celeridade para que o cronograma alcançasse o desideratum desejado. Lula tomou a peito a tarefa de bancar a transposição como realidade, não como miragem ou como promessa de campanha. E querem saber? Ele não estava buscando se comparar aos governos de Fernando Henrique Cardoso. Pelo tamanho do ego de Lula que se conhece, ele estava se comparando a dom Pedro II, que prometeu vender a última joia da Coroa para não deixar o nordestino morrer de sêde sem que a premissa tenha sido levada adiante. Vaidades à parte, há o mérito. E há a inelutável necessidade do reconhecimento, em nome da isenção.
O estilo populista de Lula, que está impregnado nos seus ossos, não sendo, portanto, estratégia calculada de marketing para amealhar votos, reforçou a empatia dos nordestinos para com ele, independente do voto nele ou nos candidatos do PT apoiados pelo ex-gestor. O estilo de Fernando Henrique, em cujos governos foram dados passos concretos preparatórios à deflagração da transposição, é um estilo mais elitista, mais formal, coerente com a formação acadêmica que ele teve, ainda que, como candidato a presidente FHC tenha se permitido incursões populistas, como quando insinuou que tinha um pé na cozinha, querendo mostrar-se aparentado de famílias negras que habitam pedaços enormes do Brasil. Mas fica demarcado que um confronto Lula X Fernando Henrique no Nordeste, em qualquer circunstância, é um massacre para o tucano. Como seria massacrante para Jair Bolsonaro debater com Lula, do ponto de vista da receptividade junto ao eleitorado nordestino.
Nada disso exime o presidente Jair Bolsonaro de dar atenção ao Nordeste. Aliás, não se trata de uma ação demagógica, todavia, de uma medida imperativa de resgate da dívida que o Poder Central tem para com o povo do Semiárido. Se tivesse lido Maquiavel ao invés de pajear o besteirol do seu guru, o astrólogo Olavo de Carvalho, Bolsonaro já teria entendido que é justamente onde perdeu que ele precisa investir bem, como parte da estratégia para ganhar adesões que posteriormente possam ser revertidos em votos. É assim que agem os políticos intuitivos que captam no ar a voz rouca das ruas ou pegam no vento o espírito do sentimento popular. A sensibilidade olfativa de Bolsonaro parece embaçada pelo baixo nível intelectual que pessoalmente ele ostenta, agravado pelas companhias pouco recomendáveis que o cercam, a partir dos filhos, que lhe criam problemas diariamente, tomando o pai-presidente a pagode. Seja como for, se ainda alimentar ambições políticas para o futuro, cabe ao presidente Bolsonaro rever a tática em relação ao Nordeste e ao povo nordestino, que tem brios para rejeitar esmolas mas não rejeita afagos sinceros nem obras e meios para sua sobrevivência.
Nonato Guedes