Confirmando a teoria de que, mesmo na cadeia, é ele quem pauta os acontecimentos nacionais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atraiu as atenções, ontem, com a primeira entrevista concedida na cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. O enredo era mais ou menos previsível: ataques em série ao governo do presidente Jair Bolsonaro, que ele definiu como um bando de malucos e desabafos que traduzem ressentimentos do líder petista contra os que considera algozes, a exemplo do ministro Sérgio Moro e do procurador DeltanDalagnoll, expoente da Operação Lava-Jato. O privilégio da entrevista foi concedido a dois jornalistas de renome: Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, e Florestan Fernandes Júnior, de El País, diário da Espanha, que dividiram informações antecipadas com colegas de outros órgãos de comunicação. Só a TV Globo ignorou olimpicamente o principal fato do dia.
Algumas revelações de Lula, extraídas da conversa que durou duas horas e dez minutos: Se sair da prisão, quero conversar com os militares para entender por que esse ódio ao PT, já que meu governo recuperou o orçamento das Forças Armadas; Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é esse país estar governado por esse bando de maluco que governa o país (sic). O país não merece isso e, sobretudo, o povo não merece isso; Tenho obsessão para desmascarar o ministro Sérgio Moro. Porque eu tenho certeza, o Moro tem certeza, da minha inocência. Se as pessoas não confessarem agora, no dia da extrema-unção vão confessar. Ele (Moro) tem certeza de que eu sou inocente. A entrevista aconteceu depois que o presidente do Supremo Tribunal Federal liberou o depoimento apenas para os dois jornalistas, implodindo o acesso de outros jornalistas que o STF cogitou permitir.
O ex-presidente Lula, como de hábito, colocou-se no papel de vítima de uma trama urdida para destruir a sua liderança política. Ele não entra em detalhes sobre as acusações que lhe são atribuídas, limitando-se a afirmar genericamente que os autos dos processos mentem. Condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, Lula avisou que dorme todos os dias com a consciência tranquila, o que não ocorre, segundo suspeita, com o ministro Sérgio Moro e o Procurador DeltanDalagnoll. Sobre sua rotina, o ex-presidente foi enfático: Eu curto a solidão tentando aprender, mentalizar a minha espiritualidade, tentando gostar mais do ser humano, tentando ficar um pouco mais humano. Eu acho que vou sair daqui melhor do que quando entrei. Disse que passa o tempo lendo livros e assistindo a muitos filmes.
Lula evita chamar de cela o ambiente onde passa os dias, preferindo chamá-lo de sala. E contou ter feito um curso sobre Canudos no canal Paz e Bem, na internet, recuperando a história e mostrando as mentiras que Euclides da Cunha teria relatado sobre Canudos no livro Os Sertões. Além de revisitar episódios da História que, a seu ver, estão distorcidos ou mal contados, Lula é obcecado por ser chamado de doutor e acha que assim acontecerá quando deixar a prisão. No caso, o diploma que almeja seria derivado do Intensivão sobre a realidade brasileira que ele está fazendo para matar o ócio na cela. Alguns analistas políticos da mídia sulista avaliam que Lula não acrescentou contribuição ao debate político nacional com a entrevista tão ansiosamente aguardada, inclusive, pelos adversários. Reclamam, inclusive, da falta de autocrítica dele em relação aos erros e crimes cometidos pelo Partido dos Trabalhadores, a exemplo do mensalão e do petrolão. Mas já se sabia que essa é a narrativa que o ex-presidente busca massificar permanentemente como contraponto à enxurrada de acusações e de provas arroladas contra ele.
Evidente que Lula da Silva aproveitou a oportunidade de ouro que lhe foi dada para fazer o que gosta mais falar bem dele, autoglorificar-se e firmar analogias que, fustigando os adversários, principalmente os que estão no poder, possam manter acesa a chama do PT, especialmente junto à militância, prostrada com a orfandade produzida pela ausência do protagonista maior da história de uma agremiação que empalmou o poder por quase duas décadas. A impressão geral que fica é a de que o sistema a que Lula se referiu na entrevista está incentivando um mártir vivo. É isto o que Lula representa para os seus seguidores e para os que, não sendo lulopetistas, não morrem de amores por Bolsonaro e sua agitada trupe.
Nonato Guedes