Ainda que, de certo modo, um pouco tarde, o governo João Azevêdo (PSB) começa a operar com autonomia de decisão no que diz respeito ao envolvimento de secretários remanescentes da gestão de Ricardo Coutinho com alegadas irregularidades e suposto recebimento de propinas na Saúde Pública do Estado no período em que esteve sob o controle de Organizações Sociais como a Cruz Vermelha. Depois da exoneração de Livânia Farias, que acabou presa e deflagrou processo de colaboração com as autoridades encarregadas das investigações, aparentemente cometendo a delação, e que já está em liberdade, o governo Azevêdo consumou nas últimas horas as exonerações de secretários como Waldson de Souza e Gilberto Carneiro, do Planejamento e Procuradoria Geral do Estado.
Ambos remanescem da primavera socialista na prefeitura de João Pessoa, empalmada por Ricardo em duas eleições consagradoras, em 2004 e 2008. Este último mandato de Coutinho foi interrompido com a sua renúncia para concorrer ao governo do Estado em 2010, de onde emergiu vitorioso, tendo sido concluída a gestão por Luciano Agra, então vice, que tentou inutilmente espaços no PSB para disputar a titularidade em 2012, acabando por romper com o partido e apoiar a candidatura de Luciano Cartaxo, então PT, sendo vitoriosa a composição. Quando se assenhoreou do Executivo estadual, Ricardo levou para a administração quadros formados na prefeitura e em núcleos de militância dos girassóis no acompanhamento de mandatos parlamentares de vereador na Capital e deputado estadual, que ele exerceu.
A geração do antigo Coletivo Ricardo Coutinho teve sua trajetória coroada duas vezes com a eleição de RC em 2010, derrotando o principal adversário, José Maranhão, do extinto PMDB, e em 2014, com RC derrotando o principal concorrente, Cássio Cunha Lima, do PSDB, a quem havia se aliado quatro anos antes para destronar o maranhismo do Palácio da Redenção. Mas, a despeito da denominação autoatribuída de Coletivo, sempre predominou como força motora o personalismo de Ricardo Coutinho, combinado com sua liderança proeminente em João Pessoa. Tanto assim que em 2012 e 2016, estando no exercício pleno da administração estadual, Coutinho tentou viabilizar as eleições de Estelizabel Bezerra e Cida Ramos à prefeitura pessoense, sem, no entanto, alcançar sucesso. Ambas acabaram se elegendo deputadas estaduais e possuem atuação combativa na Assembleia Legislativa, entretanto, não somaram votos suficientes para assegurar aos girassóis a manutenção da cidadela executiva na Capital.
Somente em 2018, quando permaneceu no exercício do mandato até o último dia, inclusive, por desconfiar de estratégia patrocinada pelo grupo da vice-governadora Lígia Feliciano (PDT) para implantar uma espécie de governo paralelo no Estado, foi que Ricardo pôde comemorar a vitória de João Azevêdo, em primeiro turno, ao Palácio da Redenção, tendo como efeitos colaterais as derrotas do senador José Maranhão, que postulou outra vez o retorno ao governo, agora pelo MDB, e o então senador Cássio Cunha Lima, que largou na frente na corrida pela reeleição ao Congresso, pelo PSDB. Ricardo patrocinou a candidatura de Veneziano Vital do Rêgo a uma cadeira de senador, depois de retirá-lo do MDB e acomodá-lo com honras dentro do PSB. Como opção para a segunda vaga senatorial, apostou fichas na candidatura do então deputado federal Luiz Couto, do Partido dos Trabalhadores, que, entretanto, não chegou lá, estando, hoje, como secretário na administração de João Azevêdo. O balanço eleitoral de 2018 foi favorável ou auspicioso para o esquema comandado por Ricardo Coutinho. A segunda vaga senatorial ficou com a ex-deputada Daniella Ribeiro, do PP, que fez dobradinha com Cássio mas investiu fortemente na narrativa de vir a ser a primeira mulher senadora da história da Paraíba, além de contar com excepcional apoio logístico para fazer frente aos custos de uma disputa acirrada e imprevisível.
Ricardo pôde entregar com tranquilidade o governo a João Azevêdo, in pectoris como candidato do esquema socialista à sucessão estadual, apalavrado no compromisso da continuidade do projeto há oito anos executado na Paraíba. A simbiose entre os dois só foi quebrada pelos desdobramentos da Operação Calvário, que mirou área essencial do serviço público a Saúde, e respingou na Era de Ricardo Coutinho, com a citação de secretários dela oriundos e que foram preservados por João Azevêdo. O fator desestabilizador foi a prisão da ex-secretária Livânia Farias, que, ao contrário do que se esperava entre os girassóis, repassou informações consideradas vitais para o desencadeamento de novas investidas, já aí alcançando outras figuras de proa do arraial socialista. Azevêdo não teve como se omitir perante imposições legais. Como a Operação ainda está em andamento, é difícil avaliar quais estragos ainda pode produzir no projeto como um todo e quais os desdobramentos que advirão. Até mesmo quem tem bola de cristal deve estar tendo dificuldade para arriscar algum palpite sobre o que pode acontecer.
Nonato Guedes