Atitudes consideradas malucas, que vêm sendo tomadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) desde a sua investidura em janeiro dão força a especulações nos círculos políticos, em Brasília e fora do poder, cujo pano de fundo é a ressurreição do fantasma do ex-presidente Jânio da Silva Quadros, um político populista eleito com votação expressiva na década de 60, que surpreendeu a Nação em poucos meses renunciando ao cargo alegando sofrer pressão de forças terríveis. De acordo com os historiadores, tudo não teria passado de uma manobra mal-sucedida de Jânio para obter poderes ditatoriais à frente do cargo por esse enredo, ele esperava sensibilizar a opinião pública a pressionar o Congresso a torná-lo ditador. Tudo se frustrou, melancolicamente, quando Jânio sobrevoou o Rio de Janeiro no dia da renúncia, em 1961, e constatou que ao invés de luto popular as praias estavam apinhadas de gente, comemorando a renúncia.
Jânio queria proibir o biquíni, a pretexto de preservar a moral e os bons costumes. Acabou vingando a proibição do desfile de maiô nos concursos de miss. Também foram proibidos o lança-perfume, a briga de galos e corridas de cavalos em dias úteis. Jânio ocupava-se de assuntos desproporcionais à importância do cargo que exercia, diz o historiador Jaime Klintowitz no livro A História do Brasil em 50 Frases, lembrando, também, a tática do presidente de recorrer a bilhetinhos para governar os bilhetes eram remetidos a ministros e outros auxiliares para adoção de providências imediatas. Bolsonaro abusa do uso de tuítes para se comunicar com a Nação, mesmo e, sobretudo, em períodos emergenciais. Seu catecismo é conservador e ele deflagra constantes cruzadas contra gays, lésbicas e transgêneros, invadindo a seara da moral e dos costumes. Da mesma forma, praticamente invadiu o Ministério da Educação com doutrinação ideológica de direita e expulsou dos campi o Patrono da Educação no Brasil, Paulo Freire, ideólogo de esquerda, falecido há 30 anos, que foi perseguido pela ditadura militar por causa do seu método de alfabetização de adultos, intitulado Pedagogia do Oprimido. Freire é reverenciado por diversas universidades e educadores no exterior, mas no Brasil enfrenta um segundo exílio, agora post-mortem, na definição da deputada federal Luíza Erundina (PSOL-SP), que o teve como secretário de Educação quando prefeita de São Paulo, entre 89 e 92.
Bolsonaro tem destratado artistas e intelectuais e determinou mudanças profundas na antiga Lei Rouanet, de incentivo à produção cultural, que possibilitava a captação de recursos para o custeio de shows e apresentações, inclusive, por artistas famosos, de prestígio internacional, como Caetano Veloso e Chico Buarque de Holanda. O presidente investe, agora, contra as ongs, organizações não governamentais e orientou o ministro da Educação a determinar o hasteamento da Bandeira Nacional nos colégios da rede pública, bem como a aconselhar alunos dessas escolas a filmarem e gravarem professores que estejam ministrando supostos ensinamentos ideológicos, não pedagógicos, em sala de aula. Há uma semelhança teoricamente nítida entre Bolsonaro e Jânio o gosto pelo autoritarismo e o pouco apreço pelo Congresso Nacional. Entre as várias maneiras de alguém entrar para a História, Jânio escolheu a cômica, definiu o historiador paulista Francisco Iglésias, lembrando recursos cênicos de que Quadros abusava, como as roupas desleixadas e os cabelos desalinhados. Bolsonaro usa roupas de preço médio, faz refeições em marmita, visita quartéis e exerce o populismo em outras manifestações públicas.
O atual presidente já entrou em rota de colisão com o Congresso, especialmente com o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, do DEM-RJ, que a seu ver não estaria se empenhando à altura para a tramitação, votação e aprovação da reforma da Previdência Social, tema que é controverso para deputados e senadores que integram a própria base aliada do presidente Bolsonaro e que temem desfrutar, por gravidade, de índices de impopularidade que ele coleciona em meio a propostas polêmicas para a nova Seguridade. Analistas políticos ressaltam que é improvável comparar as figuras de Jânio Quadros com a de Bolsonaro. A hipótese de que o capitão reformado do Exército possa ser considerado sósia do histriônico professor de Português do Mato Grosso que ocupou a presidência da República torna-se prejudicada, pelo menos, em um quesito o da renúncia. Não há a menor possibilidade, sustentam esses analistas, de Bolsonaro vir a dar um passo no caminho da renúncia. É mais fácil tentar prorrogar o seu mandato ou alcançar os poderes ditatoriais que Jânio tentou e não logrou obter, acredita o historiador Marco Antônio Villa. Sobre Jânio, que até à morte teve que dar explicações sobre o gesto de renúncia, anotou-se, pelo menos, como álibi aparente para justificar a desistência em levar o mandato uma frase sua: Num país em que ninguém renuncia a nada, eu renunciei à suprema magistratura da Nação, ao cargo mais elevado, desabafou ele, cansado de tanto se explicar e não convencer. Jânio ficou 204 dias na presidência. Morreu em 16 de fevereiro de 1992, e para desespero da família, levou para o túmulo o número da mítica conta bancária na Suíça. Além dele, só a mulher Eloá, que morreu dois anos antes do marido, sabia do segredo, e também nunca o revelou.
Nonato Guedes