Com a revoada de secretários e auxiliares remanescentes da Era Ricardo Coutinho, o governador João Azevêdo começa a imprimir suas digitais na administração da Paraíba, recrutando quadros que teoricamente possuem o seu DNA do ponto de vista da identificação na filosofia de ação e nos métodos perseguidos para a consecução dos desafios que estão postos. Tudo isto, ressalte-se, tem sido feito sem qualquer orquestração revanchista contra o antecessor socialista, que foi decisivo para a vitória de Azevêdo ao poder. Exonerações e remanejamentos, na verdade, têm sido facilitados pelos desdobramentos da Operação Calvário que atingiu em cheio figuras de proa da gestão que se despediu após oito anos ainda que, no dizer do próprio Ricardo, não tenha sido prolatada sentença definitiva nem haja clarificação de provas irrefutáveis que condenem antecipadamente os que foram citados ou arrolados em inquérito.
No que toca ao governador João Azevêdo, ele não poderia ficar apegado ao benefício da dúvida sobre o grau de envolvimento ou não de secretários mencionados em inquéritos porque essa estratégia teria um viés suicida e poderia colaborar para inviabilizar a operacionalidade da gestão que o atual gestor busca empalmar, dando seu toque pessoal mais técnico do que político. Governar é preciso e nenhum governo se sai bem, principalmente no início, convivendo com o desconforto de acusações que muitas vezes escapam ao racionalismo e enveredam pela exploração eleitoreira antecipada. Ficou evidente para João Azevêdo que ele precisava dar um freio de arrumação. Ou, se quiserem, chamar o feito à ordem, até para se organizar psicologicamente com vistas a administrar o contencioso que tem em vista. Por conta da delicadeza da conjuntura é que nos três primeiros meses Azevêdo operou com extrema habilidade, de forma bastante sutil que a muitos pareceu não ter havido qualquer reação de sua parte para exercer a autonomia. Prevaleceu, afinal de contas, o entendimento bíblico de que há tempo para tudo e o fato é que as adequações, digamos assim, foram se processando com um empurrãozinho de fatores externos subjacentes à vontade pessoal do governador de plantão.
No reverso da medalha, constata-se que o ex-governador Ricardo Coutinho, atingido colateralmente com a exploração feita em torno dos episódios que são públicos e notórios, agregou à fase de hoje a falta de perspectiva de poder que poderia emanar para discípulos políticos fiéis que o acompanharam na travessia até então. Um contingente expressivo que pontuou nos escalões de mando do Estado está, hoje, na orfandade e, ainda por cima, debaixo da ameaça de vulnerabilidade jurídica-policial mercê dos inquéritos e processos que assumem desdobramentos inexoráveis, na esteira de fatos novos que vão sendo publicizados, uma vez extraídos de depoimentos, alguns feitos em regime de delação ou de colaboração, dentro da tática do jogo de sobrevivência pessoal que é curial em momentos assim. Isto não quer dizer que Ricardo seja uma espécie de cão danado ou que tenha sido guindado ao pior dos ostracismos da vida pública. Antes, ele mantém o próprio cacife político. Que no seu caso é raramente transferível, já que paira acima de tudo o personalismo erigido em torno da sua figura proverbial e da sua liderança.
Há analistas políticos que cogitam a tese segundo a qual Ricardo cometeu erro palmar de avaliação da conjuntura política ao recusar o assédio insistente para disputar uma vaga ao Senado nas eleições de 2018. Na época, dentro das condições estáveis de temperatura e pressão, que faziam o governo vivenciar céu de brigadeiro, a salvo do calvário de investigações policiais e do Ministério Público, Ricardo era teoricamente imbatível para uma das vagas, como reflexo do portfólio indiscutível de realizações a apresentar aos paraibanos como saldo de duas gestões que optaram pela trilha da inovação em tudo, até na comunicação ele foi o primeiro governador da era digital na Paraíba, valendo-se de redes sociais para espalhar os canais de interlocução com a sociedade, na busca da democracia de massas.
O argumento, no caso, é o de que Ricardo não poderia prescindir de um mandato-tribuna para se defender de acusações que pipocassem eventualmente contra a Era que implantou, partidas não necessariamente do sucessor João Azevêdo em cujo perfil não se inscreve a palavra ingratidão mas, como já está acontecendo, por iniciativa de adversários que, como soi acontecer, não perdem a chance de agirem como pescadores de águas turvas, bafejados pelo que consideram um presente dos céus: o prontuário desatado dos anais da Operação Calvário, com reflexos diga-se colaterais, já que diretamente o ex-governador não é citado. Mas é perda de tempo tentar convencer Ricardo de que errou ao não investir num mandato-tribuna. Ele despreza ilações desse tipo porque confia no seu timing. E acredita piamente que é teflon no rastro das acusações que estão pipocando.
Nonato Guedes