Ridícula, patética, inconveniente. Qualquer desses termos define a reação do presidente Jair Bolsonaro ao ser confrontado, ontem, com a primeira onda de protestos na sua gestão, tendo como pretexto o bloqueio de recursos para a Educação, mais precisamente para as universidades federais. O governo, como sempre, deu um show de trapalhadas, tanto da parte de Bolsonaro, que fugiu para os Estados Unidos em missão não-oficial e buscou o afago do ex-presidente George Bush, figura que tem influência zero na conjuntura internacional, como da parte do ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolhido sob medida para executar o projeto de desmonte do ensino no Brasil.
Na falta de argumentos, o presidente partiu para o insulto, o achincalhe, a linguagem de baixo calão, qualificando de idiotas e imbecis os manifestantes que apinharam as ruas em grandes, médias e pequenas Capitais do país e em outras localidades. A causa da mobilização, por si só, era aglutinadora, já que é universal o consenso sobre a importância da Educação para crescimento dos povos ou das sociedades. Bolsonaro, que tem ficado na contramão de avanços históricos, mesmo nos países cujos governos admira, reverberou a obsessão ideológica que deseja ver impregnada em tudo que não seja do interesse ou do agrado seus. Insinuou que havia uma massa manipulada pelo Partido dos Trabalhadores, tentando, com isto, partidarizar o movimento de grandes dimensões que se espalhou Brasil afora ontem.
Havia eleitores e militantes do PT participando das manifestações. Havia mais: havia líderes e detentores de mandato filiados ao petismo engajados nos protestos, como o ex-candidato a presidente da República, Fernando Haddad, que é professor, e a presidente nacional da agremiação, Gleisi Hoffmann, que opera como alto-falante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente recolhido a uma cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Ante a constatação das presenças dessas figuras, cabe perguntar: E daí? Manifestações públicas estão abertas a quem quer que seja. O erro de cálculo de Bolsonaro foi imaginar que havia apenas petistas teleguiados nas manifestações de ontem. Fosse assim, Haddad teria sido eleito presidente, não ele. Afinal, as concentrações foram grandiosas, de uma amplitude que é impossível ignorar sem a intenção de brigar com fatos.
O governo enrola-se em tentar explicar à sociedade a diferença entre cortes e contingenciamento de recursos. Essa coreografia é pura babaquice. Bolsonaro e seus acólitos já se disse, mas é sempre bom repetir não têm apreço pela Educação, não têm apreço pela Cultura, não têm apreço pela atividade artística. É um governo avesso a tudo quanto represente avanço civilizatório. No reverso da medalha, é o governo sintonizado com o retrocesso, inclusive tecnológico, com o tempo do arado, saudosista da repressão, quem sabe dos Atos Institucionais, produzidos no recôndito das trevas políticas e culturais brasileiras, com mais ênfase no período da ditadura militar instaurada em 1964 e cujo desfecho, por pressão popular, deu-se em 1985.
A reação estúpida do presidente contribuiu apenas para aprofundar o isolamento, o fosso que separa o seu governo da população. Em pouquíssimo tempo de mandato, Bolsonaro já se defronta com o povo nas ruas e é o receio da mobilização popular que leva o governo a gestos tresloucados, a declarações estapafúrdias, a atestados de burrice e ignorância. A gigantesca mobilização de ontem pode ter sido o prenúncio de uma vaga incontrolável de hostilidades, da parte de diferentes segmentos que também não têm motivo algum para se alegrar com o governo Bolsonaro a ponto de incensá-lo. O corolário das manifestações de protesto pode estar sendo guardado para a votação da reforma da Previdência, tema em que o governo está encalacrado junto à sua própria base. Teríamos, então, o tiro de misericórdia na confiança nesse governo que está aí.
Havia uma vã ilusão da parte dos eleitores do capitão reformado de que ele pudesse ser o vetor de transformações objetivas do interesse da população brasileira. Essa impressão começa a ser desfeita pelos próprios eleitores de tal sorte que já circulam bolsas de apostas sobre quanto tempo ainda pode durar a Era do falso Mito. A pretexto de combater os danos causados pelas gestões petistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff, Bolsonaro está investindo no Caos. O Brasil está atento a isso e talvez ele não saiba.
Nonato Guedes