O falecimento, no final de semana, de um dos grandes valores da Paraíba o advogado e ex-deputado Langstein de Almeida trouxe-me a recordação de um episódio inusitado para mim, quando cheguei em João Pessoa nos idos de 1978 para atuar como repórter político do Correio da Paraíba, então dirigido por Aluízio Moura e João Manoel de Carvalho. Por instâncias de João Manoel, ocupei interinamente o espaço de sua prestigiosa coluna política, na condição de Redator-Substituto. Entre tantas análises que escrevi, uma referia-se à situação de opressão e focava a questão do reprocessamento da ideologia dominante como parâmetro para o ensino e para a militância política.
Não conhecia Langstein pessoalmente. Ele estava preso, em João Pessoa, em consequência de incidente grave de natureza pessoal. Mas já havia tido notícias a seu respeito, dadas pelo próprio João Manoel, sobre a condição dele de ex-cassado por ter contestado a ditadura militar instaurada em 1964 no país. Sabia, também, ser Langstein irmão de Agassiz Almeida, intelectual renomado, deputado federal constituinte, ex-cassado também. Eis que recebo uma correspondência, postada de penitenciária da Capital paraibana por Langstein, elogiando o comentário que eu havia produzido e acrescentando subsídios valiosos sobre a insciência de uma Justiça que condenava Calabar e Tiradentes e mantinha-se longe do alcance dos grandes e verdadeiros gângsteres da vida nacional.
Impressionou-me fortemente o simbolismo da correspondência, enviada de um presídio, o que me levou a concluir que se tratava de um pensador lúcido, com visão crítica bastante clara sobre fenômenos políticos e sociais. As adversidades do currículo não o haviam alienado da conjuntura contemporânea muito pelo contrário, amadurecera nele as reflexões sobre os dilemas e as desigualdades típicas de sociedades injustas. Tive informações adicionais sobre Langstein, repassadas por figuras de esquerda, invariavelmente enaltecendo a sua combatividade e a coerência nas posturas ideológicas, assumidas com desassombro na longa noite das trevas em que era extremamente arriscado discordar quanto mais condenar ou censurar abusos e arbitrariedades que são inerentes aos regimes de exceção. Nunca tive contato pessoal com ele. Entrosei-me com Agassiz e com outras figuras remanescentes da repressão nos tempos da ditadura. Mas sempre o admirei pelo valor intelectual e pela inteligência indiscutível, afora, claro, a combatividade.
Langstein foi vereador, bem jovem, em Campina Grande reduto de sua militância política e tornou-se deputado estadual aos 21 anos de idade. Foi, também, candidato a prefeito da Rainha da Borborema, insurgindo-se contra a liderança de Severino Cabral, amparada em sólida estrutura. Fazendo uma denominada campanha da lata, que exprimia o contraponto à campanha da estrutura, logrou alcançar votação expressiva que por pouco não o conduziu ao cargo. Como preso político, foi recolhido na ilha de Fernando de Noronha, na época frequentada por outros paraibanos como Jório de Lira Machado e por líderes de expressão regional e nacional como o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar, que comandou resistência no Palácio do Campo das Princesas em face da intimação militar para renunciar ao cargo episódio histórico testemunhado por paraibanos como o ex-deputado Assis Lemos, também ele vítima da malsinada ditadura. Arraes voltou nas asas da anistia, coincidindo com o período de reabertura política e ganhou manifestações de reconhecimento popular, com o retorno, pelo voto, ao Executivo pernambucano, do qual fora defenestrado por golpes de baioneta.
O lusco-fusco da conjuntura política pós-ditadura, com emergência de líderes que se faziam presentes na crista da onda, talvez tenha colaborado para tangenciar figuras como Langstein da participação ou da retomada do engajamento na militância a céu aberto, como fizera em tempos difíceis, encampando bandeiras das Ligas Camponesas, acicatando a mão armada do latifúndio paraibano que inspirou título de livro do jornalista Sebastião Barbosa (hoje no Chile) versando sobre o bárbaro assassinato da líder sindical Margarida Maria Alves em Alagoa Grande. Essa circunstância de não voltar a militar ativamente nem disputar mandatos eletivos não olvidou a importância de Langstein no contexto de nossa realidade. Ela está inscrita, de forma inexorável, na História. Lamento a chance que não tive de até mesmo polemizar com Langstein sobre temas candentes da conjuntura. O que não me impede de fazer o reconhecimento ao bom combate que travou mais do que isso, ao corajoso combate em que se embrenhou para defender a nacionalidade contra a cupidez das elites entreguistas. Que a terra lhe seja leve!
Nonato Guedes