Veio do ministro da Justiça, Sérgio Moro, uma indagação bastante pertinente: qual a causa de partidos políticos negligenciarem na expulsão ou punição de filiados flagrados em casos comprovados de corrupção? É pergunta que vale para todas as agremiações, indistintamente e independentemente de postulados ideológicos que aparentem defender, do PSDB ao PT. Mais do que negligenciar, as cúpulas partidárias como que prestigiam os filiados corruptos, do mais ilustre ao mais insignificante. A referência que se faz, no caso, é aos que comprovadamente foram pilhados em escândalos ou casos de malversação do dinheiro público, tiveram punição por parte da Justiça e da Polícia, estão recolhidos a celas de presídios cumprindo penas imputadas e, não obstante, conservam intactas suas fichas no cadinho das legendas onde atuaram ou se projetaram.
Moro expende, é claro, a lógica do advogado ou do Operador de Direito, segundo a qual quem está preso, cumprindo pena, é confessadamente corrupto ou expoente de tipos variados de corrupção que têm se disseminado na estrutura política do país. Evidente que a legalidade e a ética recomendam que alguém só seja declarado culpado quando a sentença tiver transitado em julgado, ou seja, quando tiverem sido esgotadas todas as instâncias possíveis de defesa e não restar qualquer alternativa senão o desideratum inevitável. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um exemplo. Ele teve, numa primeira fase do processo em que é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, atendidos todos os recursos de que lançou mão para provar inocência. Foi sentenciado a uma pena mais ou menos longa, que atravessa uma década, e, numa segunda etapa, em outra instância do Judiciário, o tempo de condenação foi ampliado.
Ultimamente, magistrados de uma terceira Corte entenderam ter havido excesso de severidade na punição aplicada ao ex-presidente e passou-se a conviver com uma zona de sombra sobre qual o futuro do líder petista, não faltando quem preveja, mesmo, que diante da barafunda jurídica criada sobre a situação dele, Lula tenda a ser favorecido, refeita, aí, a contagem do tempo de condenação imposto com o comportamento do detento, que, pelas informações de domínio público, tem sido exemplar, não obstante seu jus esperneandi constante e até mesmo suas ironias contra investigadores da Polícia Federal que fizeram ou fazem parte da Operação Lava-Jato e estiveram por bom tempo sob o comando do atual ministro Sérgio Moro. Ora, mantida a prisão de Lula, teoricamente estão valendo os argumentos que lhe são desfavoráveis e que pesaram na decretação da condenação. Caberia ao PT, fazendo cumprir o próprio estatuto, senão expulsar Lula, que foi quem fundou a legenda, pelo menos afastá-lo temporariamente, tornando sub-judice a sua filiação até que se esgote o contencioso.
Mas, como se sabe, desenvolveu-se com uma facilidade incrível no Brasil a narrativa de que Lula é Lula, ou seja, um presidiário político especial, que, como tal, precisa ser tratado de forma diferenciada, sendo aceito, nesse enredo, o princípio de que a Lei vale para todos, com exceções. Lula é exceção por ter sido presidente da República, eleito duas vezes, também por se constituir em líder político de projeção popular e por se dizer vítima de odienta perseguição política. Esta é a narrativa que se espalha e que, na falta de contradita mais explícita ou constante, vai ganhando fores de verdade, de tal sorte que, ao invés de réu, Lula é catapultado à condição de vítima. Seria ele vítima de um dos maiores erros da história do Poder Judiciário no Brasil em todos os tempos. É isto que está convencionado, em nichos da própria sociedade não necessariamente atrelados ao PT, e a expectativa que se tem é quanto à data de soltura do ex-presidente. Aliás, na falta de partidos sólidos e de ideologias atrativas e não menos consistentes no histórico político brasileiro, leva-se em conta um mantra que serve para animar, sobretudo, os eleitores do PT e discípulos fanáticos do lulopetismo e que grita sempre: Lula Livre!.
O ministro Sérgio Moro talvez não saiba, mas o que leva cúpulas partidárias a protegerem filiados acusados de desvio de recursos públicos é o espírito corporativista plenamente arraigado na sociedade brasileira, e, no seu bojo, a cultura da impunidade. Não tínhamos, até então, tradição de encarceramento de ex-presidentes de República, ministros, parlamentares e outros dignitários da República. O máximo a que se havia chegado fora o impeachment, que alcançou primeiramente Fernando Collor (hoje reincidente na Lava-Jato) e, secundariamente, Dilma Rousseff. A Lula foi reservada uma cela especial na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde ele recebe visitas, inclusive, da nova namorada, e desenvolveu o gosto pela leitura, para a qual era, habitualmente, impaciente. Falta soltá-lo para coroar a narrativa. Que expulsão que nada, ministro Moro. Logo se vê que o senhor não é do ramo…
Nonato Guedes