O economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo do presidente José Sarney, defendeu o Bolsa Família como o programa social mais eficaz já criado no Brasil, que ampara 14,3 milhões de famílias pobres (45 milhões de pessoas). Diz que o programa custa relativamente pouco: 29,9 bilhões de reais em 2018, menos de um décimo dos 314,2 bilhões de reais de subsídios e renúncias fiscais da União no mesmo ano. Muitos consideram o programa assistencialista. A saída, imagina-se, seria investir na criação de empregos para os pais que recebem o benefício. Nada disso faz sentido, alerta Maílson, no seu artigo quinzenal publicado pela revista Veja.
Lembra Maílson que o cuidado com os pobres ocorreu de distintas formas ao longo da história. Nos tempos bíblicos da Palestina, essa tarefa cabia à comunidade que se ajudava reciprocamente nos momentos de adversidade, conforme registra Raghuram Rajan no livro The Third Pillar. Na Idade Média europeia, os pobres sobreviviam com esmolas e graças à convivência em fazendas feudais. Depois, a assistência aos pobres foi assumida por organizações religiosas e instituições de caridade. A partir do século XIX, esse papel foi exercido crescentemente pelo Estado. Na Alemanha, no governo do chanceler Otto von Bismarck, surgiu a primeira experiência de um programa social patrocinado pelo governo.
– Nos anos 1880, assinala Rajan, a Alemanha aprovou programas sociais financiados pela contribuição compulsória de trabalhadores e empregadores. Três tipos de risco eram cobertos: acidentes de trabalho, incapacitação e aposentadoria para quem passasse dos 70 anos. Entre o fim do século XIX e o começo do século XX, vários países ricos adotaram programas voltados para os menos favorecidos. Leis trabalhistas e sociais criaram proteção para os trabalhadores, em especial para os mais pobres. No pós-guerra, o Estado de bem-estar social consolidou e generalizou-se no mundo inteiro acrescenta Maílson, que no governo de Sarney pilotou o Plano Cruzado, baseado no congelamento de preços e tarifas e que deu certo nos primeiros meses mas depois fez furos, legando ao Brasil uma das maiores taxas inflacionárias da sua história.
Na opinião de Nóbrega, com o tempo os programas sociais se sofisticaram. A neurociência mostrou que existe uma data certa para que as crianças estejam na escola, particularmente no período em que ocorrem as principais sinapses. Depois disso, a aprendizagem torna-se difícil. Justamente nesse período, as famílias pobres costumam usar os filhos para complementar sua renda. Eles trabalham precocemente ou buscam ganhos nas ruas, nos sinais de trânsito ou pedindo esmolas. Essas crianças, quando adultas, chefiarão famílias de baixa renda. É um círculo vicioso que perpetua a pobreza, na avaliação do ex-ministro. Daí o nascimento, nos anos 1990, de programas como o Bolsa Família em vários países. No Brasil, eles começaram nas cidades de Campinas (SP) e Brasília. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) os implementou no governo federal. Um benefício pecuniário substitui a renda do trabalho das crianças, sob a condição de que as famílias as mantenham na escola e as levem para vacinação. O foco são as crianças, não os adultos. Espera-se que a aprendizagem interrompa o ciclo da pobreza. A saída é, pois, assegurar saúde e educação de qualidade para os filhos. Não é criar emprego para os pais, os quais raramente têm as qualificações exigidas, finaliza Maílson da Nóbrega.
Nonato Guedes