A grande vestal do governo do presidente Jair Bolsonaro está baqueada, e justamente na questão ética. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, que se notabilizou pela atuação no comando da Operação Lava-Jato, de grande impacto na conjuntura política-administrativa do país, está com uma espada de Dâmocles vergada sobre sua cabeça depois que o site The Intercept Brasil vazou troca de mensagens entre ele e o Procurador Deltan Dallagnol, o expoente de hoje da Lava-Jato, sobre rumos que a Operação deveria tomar, alguns dos quais plenamente questionáveis ou, no mínimo, controvertidos.
Se o episódio ainda não chegou a afetar profundamente as entranhas do governo nem a prejudicar a governabilidade no Congresso Nacional produziu, de pronto, um efeito colateral desagradável: a sangria do ministro da Justiça, que tende a se tornar quase diária, alimentada pelo bombardeio dos petistas que se valem do deslize como pretexto para encobrir as denúncias de corrupção assacadas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Que fique claro, para os menos informados: uma coisa não invalida a outra. A virtual prevaricação de Sérgio Moro em caso de extrema relevância não olvida as acusações atribuídas a Lula da Silva e a outras cabeças coroadas do Partido dos Trabalhadores, além de atores filiados ou originários de outros partidos, que participaram do butim ensaiado nos últimos anos na história do Brasil.
Sérgio Moro está, por assim dizer, bichado, por causa do desgaste indiscutível que colecionou quando vieram a público as revelações sobre conversas comprometedoras e não-republicanas. Tenta sobreviver no cargo com o respaldo teórico do presidente Jair Bolsonaro, mas não há garantia nenhuma de que o chefe de Estado venha a quebrar lanças pelo ministro inquinado. Bolsonaro já sacrificou gente de extrema confiança, catalogada no rol de auxiliares in pectoris, como Gustavo Bebianno, o que quer dizer que já sinalizou ter a disposição de cortar na própria carne para não perder os dedos todos das mãos. A entrega de alguns anéis Moro incluído na bandeja que a oposição está exibindo com a voracidade de quem deseja sangue seria uma estratégia capaz de dar sobrevida a um governo que, em poucos meses de atuação, tem se caracterizado pela capacidade de produzir turbulências e, com isto, sobressaltar a Nação, grande parte da qual assiste estupefata ou bestializada à eclosão de fatos escandalosos e de certa gravidade.
O presidente Jair Bolsonaro tem confessado, vez por outra, o seu desconforto com a arte de governar. Não tendo ocupado, antes, qualquer cargo executivo, assustou-se num primeiro momento com os desafios imensos que a Presidência da República tem embutidos dentro da liturgia inerente ao cargo. Um governo não se compõe apenas de flores há espinhos que deixam cicatrizes profundas, sobretudo quando falta habilidade política para o confronto com incidentes que minam a credibilidade da gestão e jogam por terra o capital de apoio ou de popularidade que vinha se mantendo a duras penas em meio à instabilidade típica das conjunturas. O governo Bolsonaro optou pelo barulho seja nas redes sociais, seja nos comunicados ou nas decisões oficiais. Um exemplo claro foi o fuzuê armado no ministério da Educação, que no início do governo tornou-se palco de confrontos ideológicos, de certa forma incentivados pela própria retórica beligerante do capitão da reserva das Forças Armadas.
Os focos de desgaste ou de erosão do capital de apoio ao governo foram se sucedendo em nichos distintos, do ministério da Família, com o daltonismo da ministra Damares Alves quanto a cores apropriadas para meninos e meninas, ao ministério das Relações Exteriores, onde prevalece uma visão caolha ou enviesada do conceito de alinhamento diplomático, o que submete o Brasil a vexames na seara internacional. Não bastasse todo o contencioso que se desenrola a cada dia existe a difícil negociação para aprovação da reforma da Previdência, tida por Bolsonaro como espécie de Pomada Maravilha da sua gestão e que divide opiniões dentro da sociedade e provoca perda de adesões.
O caso do ministro Sérgio Moro é mais dramático em virtude da reputação que ele construiu, no Brasil e no exterior, como uma espécie de justiceiro. Mas já há algum tempo sabia-se que o ex-juiz da Lava-Jato estava extrapolando fronteiras da legalidade no cumprimento de missões, apegando-se à teoria surrada de que os fins justificam os meios. O resultado é que o ministro caiu numa esparrela e está a braços com a urgência de dar explicações ao presidente Bolsonaro e à Nação. Se lhe sobrar um restinho de humildade, pedirá exoneração e irá para os tribunais de inquisição despojado de imunidades ou escudos. Se a tanto não chegar, tende a virar um zumbi dentro do governo, sem espaço para atuar e sem canais de interlocução que poderia construir a favor do Brasil. São os fatos, acima de convicções.
Nonato Guedes