Num país que não pode viver sem crises políticas semanais, desenrola-se em Brasília o novelo do mais novo escândalo da praça o dos diálogos telefônicos, gravados ou grampeados, entre autoridades de diferentes esferas de Poder tendo como pano de fundo suposto tráfico de influência nos rumos da Operação Lava-Jato. Tudo será esclarecido, isto parece inexorável, mas vai se firmando um consenso que foi traduzido ontem pelo ministro Edson Fachin: não haverá risco à Operação Lava-Jato, cuja contribuição à moralização de costumes políticos e ao combate à corrupção é indiscutível, descontados os excessos, equívocos e até abusos que devem ser corrigidos dentro da legalidade que o país vive. As notícias de ontem indicavam a existência de uma República grampeada e este é o ponto de retrocesso que precisa ser extirpado com urgência porque não combina com a índole da democracia duramente perseguida nestes trópicos.
Essa rebordosa toda torna atualíssimo o livro Dossiê Brasília Os Segredos dos Presidentes, o grande romance do poder, escrito pelo jornalista Geneton Moraes Neto, já falecido, com o qual tive o privilégio de trabalhar quando fui correspondente do jornal O Estado de São Paulo em João Pessoa e ele repórter da Sucursal Regional do Estadão no Recife, dirigida pelo inesquecível Carlos Garcia. Geneton, que depois foi recrutado pela TV Globo para produzir reportagens de fôlego para o Fantástico, notabilizou-se pela argúcia e pelo faro de repórter, que identifica nos bastidores o grande estuário das informações límpidas, esclarecedoras, sobre fatos que, de vez em quando, sobressaltam essa República proclamada por Deodoro em meio a reações populares bestificadas, como registrado por historiadores contemporâneos.
Diz Geneton Moraes Neto: O Brasil não é para amadores. Nunca foi. Aqui, o que parece improvável acontece. O que é dado como certo não se confirma. O razoável é tido como loucura. O delírio vira fato: quem imaginaria que um presidente fosse erguer uma nova capital no centro do País, no meio do nada, depois de ouvir o palpite de um eleitor num comício? Pois ergueu. Chamava-se Juscelino Kubitscheck de Oliveira, o JK. Quem sonharia que o presidente que se orgulhava de espargir próclises, ênclises e mesóclises em frases rebuscadas fosse renunciar espetacularmente apenas sete meses depois de assumir o poder no rastro de uma votação consagradora? Pois renunciou. Chamava-se Jânio da Silva Quadros. Quem diria que um fazendeiro viesse a ser tido como perigoso esquerdista a ponto de ser derrubado por militares que há anos gestavam um golpe? Pois foi. Chamava-se João Belchior Marques Goulart, o Jango.
E ainda é Geneton quem relata: A crônica das improbabilidades não para aí. O ficcionista que se aventurasse a escrever o grande romance político brasileiro precisaria de uma dose amazônica de inspiração para imaginar enredos tão extraordinários quanto os que foram vividos por quatro personagens que viveram no centro do palco os sobressaltos e surpresas do espetáculo político brasileiros. Todos os quatro ocuparam a presidência da República. Os personagens a que Geneton se referia são os ex-presidentes José Sarney, Itamar Franco (falecido), Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, por ele entrevistados para contar confidências dos períodos em que exerceram o poder. Cada um tinha histórias relevantes a repassar. Sarney cogitou renunciar diante do peso de pressões e recebeu ameaças. Dedução de Sarney: A presidência é um cargo perigoso porque expele os ocupantes pela doença, pela incompetência, pela deposição ou pela renúncia. Fernando Collor de Mello, o impulsivo, desabafou a Geneton: Eu semeei ventos, colhi tempestades.
Itamar Franco, que era tido como mercurial, pelo temperamento irascível, ouviu propostas capazes de tirar o sono. Ele foi surpreendido com a sugestão de um grupo de parlamentares para fechar o Congresso Nacional, num arroubo. O pretexto seria o de depurar o Parlamento da presença de roedores do dinheiro público, Sobre Itamar, o ex-presidente Tancredo Neves costumava dizer que guardava rancor na geladeira. Sua birra maior era com Fernando Henrique Cardoso. Julgava-se, Itamar, fiador da ascensão de FHC à presidência da República. Mais tarde, queixava-se que ele (Fernando) mudara muito e se achava inventor da democracia e do Plano Real. Nos momentos de aflição, Itamar recorria à sua querida Santa Teresinha, como ele mesmo definiu. Já Fernando Henrique, o sociólogo, guardava um pedaço do Muro de Berlim em casa, dado de presente por um amigo seu, professor na Alemanha. Como presidente, ficou surpreso ao saber que o secretário de Estado americano tinha informações secretas sobre o Brasil. E, quanto ao Congresso brasileiro, FHC criticava o fisiologismo dos políticos. É uma tragédia, disse. O Brasil vive uma nova tragédia, nesta Era Bolsonaro. Não há muita coisa a fazer senão esperar para ver no que vai dar. Como foi dito, este não é um país para amadores.
Nonato Guedes