Quando sua popularidade estiver em baixa, não dá para não se sentir incomodado. Mas o fato de isso incomodar não quer dizer que você deve se orientar pelos índices de cada momento. Se a pessoa se mantém totalmente ligada na popularidade, acaba por ficar inativa. Perde o moral e desanima quando a popularidade cai. Então, você tem que ter convicção para achar que, apesar de tudo, você está certo, está fazendo o que tem que ser feito. Claro que é preciso ter muita segurança. O político inseguro não funciona. Se for seguro demais também não funciona porque fica arrogante.
Esta é uma das lições do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, PSDB, constantes do livro Cartas a um jovem político Para construir um país melhor, direcionado para os que desejam entrar na vida pública ou a homens públicos em busca de respostas. O livro de FHC, que governou o Brasil por duas vezes, fala da necessidade de um processo contínuo de aperfeiçoamento e responde a dúvidas relacionadas à formação do político, desmistificando parte do que é a ciência política. A editora Alegro, que publicou o livro-manual, define Fernando Henrique como dono de uma cátedra inquestionável, que fez da política instrumento eficaz de gestão política, econômica e social. Antes dele, nenhum outro homem público do Brasil conseguiu elevar, de forma sustentável, a tímida condição brasileira.
Fernando Henrique, sociólogo, que foi senador por São Paulo e perdeu a eleição para prefeito da Capital, disputando contra Jânio Quadros, elegeu-se presidente da República em 1994 e foi reeleito em 1998. O processo de reeleição foi questionado pelos adversários políticos FHC foi acusado de ter comprado votos no Congresso Nacional para a aprovação da emenda prevendo a reeleição, que até então não figurava na história política brasileira. As insinuações não resultaram em punições concretas a Fernando Henrique, que ainda legou ao país o Plano Real, no governo Itamar Franco, focado na estabilização da economia. Na gestão de Itamar, que assumiu em 92 com o impeachment de Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique foi ministro das Relações Exteriores mas logo foi deslocado para a pasta da Economia, onde surpreendeu com o Plano Real, concebido com uma equipe de economistas de nível que o auxiliaram. Itamar reclamou que FHC apropriou-se do êxito do Plano Real, com isto reivindicando para si a paternidade de medidas que acabaram tendo impacto eleitoral favorável. O certo é que ambos dividem a paternidade do Plano.
Em Cartas a um jovem político, Fernando Henrique dá ênfase a atitudes que marcam uma carreira política. E compara: Juscelino Kubitscheck teve sensibilidade e foi capaz de sentir o momento. Getúlio Vargas, no seu estilo mais autoritário, sabia distinguir as pessoas, usar as pessoas. E foi capaz de fazer todo um jogo com a Alemanha e os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial e obter o máximo de vantagem para o Brasil naquele momento. Não é qualquer um que tem sangue-frio para fazer isso e ele fez. Creio que todos que deixaram uma marca na história brasileira conseguiram fazer isso de maneiras diversas. Getúlio era pouco expansivo, Juscelino era muito expansivo. Um de poucas palavras, o outro falante. Não obstante essas diferenças de estilo pessoal, em diversos momentos eles tomaram a atitude correta. Atitude, no final das contas, vai acabar valendo mais que popularidade. Os políticos que permanecem são aqueles que sabem deixar de lado os cálculos de popularidade nos momentos em que o essencial é assumir a postura certa, teoriza o sociólogo ex-presidente.
E prossegue FHC: Quando Getúlio se suicidou, Tancredo Neves teve uma atitude muito decidida. Foi ao enterro e fez um discurso veemente. Tancredo tinha fama de ser um homem conciliador e era mesmo conciliador. Mas o político pode ser conciliador em certos momentos e deve ser intransigente em outros. O que não pode é ser pusilânime, que é diferente de ser conciliador. Fernando Henrique lembra uma frase famosa de Ulysses Guimarães, o grande líder das lutas contra o autoritarismo, que ofendeu os militares, comparando a Junta Militar de 1969 com o ditador de Uganda, Idi Amim dada. Podiam ter cassado o mandato dele, mas Ulysses ousou, disse o que pensava. Em mais de um momento ele fez isso. Mas era corajoso, tomava decisões que marcam e evoluiu com o tempo. Em política é importante ter essa capacidade. Numa certa altura você vê escuro na sua frente e se joga na piscina. Pode ser que não tenha água, mas se tiver e você souber nadar, você sobrevive. Nem sempre é assim, mas em certos momentos é assim que o político deve agir. São momentos que fazem a inflexão, não só da biografia, mas, às vezes, de um povo. Sem coragem, sem o senso do momento que requer a ousadia, não há grande político.
Nonato Guedes