No livro Todo aquele imenso mar de liberdade A dura vida do jornalista Carlos Castello Branco, Carlos Marchi menciona episódios que pontuaram a agitada carreira do papa do colunismo político brasileiro, ícone da imprensa e participante ativo da vida política do país ao longo de cinquenta anos de trajetória. Conheci Castelinho poucos meses antes da sua morte. Fui, com Severino Ramos, o Castelinho da Paraíba, à casa do conselheiro Luiz Nunes, do Tribunal de Contas do Estado, para uma conversa em torno de Castello, que tinha vindo acompanhar a mulher, dona Élvia, presidente do Tribunal de Contas da União, num encontro de TCs no hotel Tambaú. A conversa foi reverencial, como não poderia deixar de ser, mas regada a generosas doses de whisky e tendo como pièce de resistènce uma genuína ovada de curimatã, peixe de água doce dos pagos da Paraíba. José Octávio de Arruda Melo e Wellington Aguiar participaram do debate com Castello, mas fomos nós, eu e Biu Ramos, que monopolizamos uma eloquente conversação, incentivados pelo anfitrião, doutor Luiz Nunes, e pela surpreendente abertura que o papa do colunismo nos deu, ele que era tímido e afeito a conversas telegráficas, sobretudo com quem não tinha maior amizade ou aproximação.
Há um repositório de fatos envolvendo a figura icônica de Castelinho. E extraio, do livro de Marchi, o relato em forma de capítulo intitulado Idade para trocar de amigo, que é emblemático da personalidade de Castello. Diz Marchi: Quando José Sarney ocupava a Presidência da República foi muitas vezes criticado por Castelinho, algumas vezes com dureza. E Sarney recebia as críticas com a naturalidade alegada de quem o conhecia muito bem. Mas a filha Roseana ficava inconformada. Um dia pegou o telefone e ligou para Castelinho. Reclamou amargamente de que ele estava passando dos limites com seu pai. Calmamente, Castelinho lhe disse: Minha filha, não fale comigo.Fale com seu pai que ele entende. Mas um dia foi o próprio presidente José Sarney que se irritou. Desvestiu a faixa presidencial e foi à casa de Castelinho sem avisar. Levando uma garrafa de uísque debaixo do braço, apertou a campainha ele mesmo. Lindaura se assustou quando atendeu à porta. Abriu-a, fez entrar o visitante inesperado e foi correndo avisar Castelinho. Ela conhecia Sarney de velhos carnavais, mas agora não era Sarney, era o presidente da República em pessoa e sem avisar que vinha. Sarney estava furioso por causa de um artigo de Castelinho que ele rotulou de injusto e que passava uma má impressão da conduta presidencial. Quando Castelinho chegou, disse-lhe de chapa: Hoje eu vim aqui para brigar com você. E trouxe uma garrafa de uísque para regar a briga. Brigaram boas horas. Do andar de cima, Élvia percebia que eles chegavam aos gritos e imaginou os dois engalfinhados, o presidente da República e o maior colunista político brasileiro.
Quando deu duas horas da madrugada, estávamos aos berros. Élvia acordou, veio ver o que estava acontecendo, contou Castelinho. O que houve, vocês estão brigando?, perguntou Élvia. Sarney se adiantou e deu a explicação: Vim aqui para brigar com o Castello, porque não estou mais em idade de trocar de amigo. Quando a briga terminou, a garrafa de uísque estava seca e já era avançada madrugada. Castelinho estendeu a mão para o presidente e disse: Sarney, somos amigos!. Sarney contemporizou: Realmente, Castello, assim como você, eu não tenho mais idade para mudar de amigos. Depois que Odylo morreu, nós somos mais do que uma irmandade. Despediram-se e o presidente se foi. Não foi a primeira nem a última. Castelinho admitiu que de vez em quando escrevia um artigo duro e Sarney ficava irritado. Aí passa dois ou três meses sem falar comigo. Mas no governo Figueiredo, quando Sarney esteve à crista da reforma política que devolveria boa parte do arcabouço institucional perdido, Castelinho foi quase um parceiro. Usava a coluna para incensar e impulsionar os movimentos de Sarney mas somente quando eles se direcionavam à restauração do ambiente democrático. Quando o PDS produziu um longo relatório para explicar as tendências do partido na reforma política que Sarney comandava, Castelinho bateu duro, defendendo a missão do senador maranhense. O presidente Figueiredo não deveria ter perdido o seu precioso tempo para ler na íntegra o relatório do PDS.
E acrescentou, alavancando o amigo Sarney: Bastava ter corrido os olhos pela carta que lhe endereçou o senador José Sarney, na qual se resumem os temas e se afirma a inexistência de consenso sobre qualquer deles, para se inteirar que o PDS não é de nada. Na Presidência, conta Marchi, Sarney ligava frequentemente para Castelinho. Fazia-me falta a amizade, a convivência. A solidão do gabinete era terrível, confidenciou Sarney. E Castelinho era, de fato, um conselheiro de escol de cujas observações nenhum governante ou chefe político poderia prescindir, nos tempos conturbados da conjuntura brasileira.
Nonato Guedes