O jornalista José Roberto Guzzo, um dos mais conceituados da imprensa brasileira, afirma em sua coluna na revista Veja que um fato positivo na atual conjuntura é que o roubo do Erário está mais difícil do que jamais foi ao longo dos 500 anos de existência do país. Em consequência da ação da Justiça pondera Guzzo jamais foi tão arriscado ser corrupto como no Brasil de hoje e jamais os corruptos tiveram tanto medo de agir como têm agora. Talvez nada mostre melhor a calamidade que impuseram ao país que o pedido de recuperação judicial da própria Odebrecht, aceito na semana passada, após a destruição, em cinco anos, de quase 130.000 empregos na empresa campeã de corrupção nos governos de Lula e Dilma Rousseff. No setor de obras públicas como um todo, incluindo o restante das empresas envolvidas em atividades criminosas, há estimativas de que até 600 000 empregos tenham sido perdidos em todo o Brasil desde que o aparato da ladroagem começou a ruir. Quem é culpado: os presidentes que roubaram ou deixaram roubar, ou o sistema judicial que puniu o roubo?.
Guzzo ressalta que roubava-se tanto na Odebrecht, nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que a empresa achou necessário criar um departamento inteiro destinado unicamente a cuidar da corrupção de políticos e peixes graúdos da administração pública, com diretores, gerentes, secretárias, sistemas de TI e tudo o mais que se precisa para tocar um negócio de prioridade máxima. Para ele, uma espécie de mundo de trevas instaurou-se no Brasil nos últimos tempos, bastando mencionar que pelo menos um em cada três membros do Congresso Nacional (algumas contas, mais pessimistas, estimam que o total possa passar dos 40%) responde a algum tipo de processo criminal perante a Justiça. É um caso sem similar no planeta, verbera. Guzzo frisa que não é apenas o Congresso que está no foco. Há, nesse mundo de treva, o resto dos políticos no nível federal, nos estados e municípios. Há também outras empreiteiras de obras, empresários escroques, bancos com problemas junto a delatores e mais um montão de gente. Só se pode esperar disso tudo, na verdade, uma coisa: os mais extraordinários esforços, por parte dos criminosos, para manter as coisas o mais próximo possível da situação em que sempre estiveram, adianta.
O articulista diz que até uma criança com dez anos de idade percebe que, nessa conjuntura de corrupção, ninguém quer ir para a cadeia. Todos, se pudessem, gostariam de voltar a roubar em paz. E sabem, é claro, que não vai ser fácil, vaticina. De acordo com o jornalista da Veja, juridicamente não existe a menor possibilidade de zerar tudo quer dizer, anular os processos por corrupção já decididos ou em andamento na Justiça ou eliminar as provas materiais colhidas contra condenados, réus à espera de sentença e suspeitos de ações futuras. Que diabo se faz, por exemplo, com as confissões que foram colocadas no papel? E com as delações premiadas ora em andamento? Também não é possível, simplesmente, fazer com que se evaporem os resultados físicos dos procedimentos judiciais de combate à corrupção já executados até agora. Em números redondos, conforme lembra, são cerca de 250 condenações, num total superior a 2 000 anos de prisão. Mais de 150 criminosos de primeira linha foram para a cadeia. Bilhões de reais foram devolvidos ao Tesouro Nacional.
– Para ficar no caso mais vistoso: o ex-presidente Lula, após apresentar mais de 100 recursos de todos os tipos, já está condenado em terceira instância, julgado até agora por 21 juízes (possivelmente não exista na história do direito penal brasileiro outro caso em que o direito de defesa tenha sido tão utilizado por um réu. É um problema e tanto. Na impossibilidade de sumir com o passado, o esforço, agora, é para armar um futuro menos complicado para todos. Uma das esperanças mais caras do mundo político em geral é que prevaleça, uma vez mais, o ponto de vista dominante na elite brasileira, que, como sabemos, tem um código moral perfeito, mas gosta muito mais do código do que da moral. Essa elite, ou as classes que definem a virtude nacional, está tentando construir uma espécie de trégua, a trégua que for possível, baseada em decisões que de alguma forma possam ser vinculadas à interpretação das leis. Segundo os devotos do código, talvez seja uma pena para a visão comum que se tem da ideia de Justiça, mas se a majestade da lei vai exigir que a moral vá para o diabo que a carregue, paciência. Como tem objeções à vacina, há gente que acaba, na prática, ficando a favor da bactéria. É positivo anotar, de qualquer forma, que o roubo do Erário no Brasil de hoje está mais difícil, arremata José Roberto Guzzo.
Nonato Guedes